O deus do agronegócio é o deus do assassinato

No fim é o mesmo capitalismo predatório que tenta se livrar de corpos indesejáveis através da violência

Foto: CPT

O alvo era Geovane da Silva Santos, presidente da Associação de agricultores(as) de Barreiros, município da Mata Sul de Pernambuco. Mas foi o seu filho de apenas 9 anos, que entrou na absurda estatística de pessoas assassinadas por conflitos de terra em nosso país.

Uma cena brutal e chocante para quem tem o mínimo de humanidade: uma criança escondida embaixo de uma cama, executada a sangue frio por gente que com certeza não sabe o que é humanidade. Uma história que Truman Capote não escreveria, já que até no anticomunista Estados Unidos, a Reforma Agrária foi feita desde 1862.

Aqui, país em que os pretos foram empurrados para o trabalho semi-escravo e que ficaram na terra de engenhos decadentes, terra essa erguida por seu suor e corpos explorados, Jonathas Oliveira, uma criança, ao se esconder depois que seu pai sofreu um atentado, descobriu cedo demais que a extensão do agronegócio é a morte para quem nega a servidão ou para quem ocupa seu lugar de direito.

Aqui, na terra das Ligas Camponesas, os conflitos do campo nunca deixaram de existir. Foi em Pesqueira no agreste pernambucano que o cacique Chicão, líder dos índios Xucurus foi assassinado em 1998. Em 1982 o procurador Pedro Jorge foi morto em Olinda, depois de denunciar o chamado “Escândalo da Mandioca”, que reuniu latifundiários e comerciantes de Floresta, no Sertão, além da participação de militares ligados à já convalescente Ditadura Militar.

O Enhenho Roncardozinho, cena de terror aqui relatada não é o único. Segundo o Balanço da Questão Agrária no Brasil em 2021, da Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2 (CPT NE2), a situação já era complicada em outras localidades como no Engenho Batateiras, no município de Maraial e no Engenho Fervedouro, no município de Jaqueira.

Decadentes, as usinas se tornaram imóveis no sentido mais literal possível, repletas de dívidas. Mas, a terra que os antigos senhores de engenho, agora como herança de muita gente de sobrenome conhecido em Pernambuco achavam ser deles, é a terra secular de família inteiras – e essas sempre foram dinâmicas – desde o absurdo da escravidão escancarada e depois da escravidão escondida, como bem mostra o livro genial “Torto Arado”, de Itamar Vieira Junior e Açúcar, filme de Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro.

Daí o conflito: usinas repassadas para empresas do ramo imobiliário e pecuária. No fim é o mesmo capitalismo predatório que tenta se livrar de corpos indesejáveis através da violência. Mesmo que para isso executem uma criança de apenas 9 anos.

Longe de ser um problema exclusivamente pernambucano, como muitos Pau D’arcos e Eldorados dos Carajás é preciso uma ação contundente do Governo do Estado de Pernambuco. Tudo menos do que isso é o puro horror. Se a execução de uma criança de 9 anos não nos mover na direção correta é porque estamos todos mortos nas nossas conveniências.

Depois dessa tragédia tão certa do campo brasileiro, as famílias da região estão sendo ouvidas pelo Programa Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PEPDDH-PE), que faz parte da Secretaria Executiva de Direitos Humanos no Estado.

A verdade é  que o Brasil parou no tempo de uma república grileira, em que a força desse faroeste latino se faz presente em quem planta mais gente como semente de morte, de corpos perfurados por balas limpas a mando de gente suja e que abre caminhos para campos de gados, e onde cultivam o deus do agronegócio que é o deus do assassinato.

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