O Entorno de Brasília

A TV Globo fez grande estardalhaço durante todo início de semana, começando no seu “Fantástico” dominical, sobre as cidades vizinhas ao Distrito Federal, o chamado Entorno de Brasília. Literalmente, descobriram a pólvora os repórteres da vênus platinada.

O assunto, porém, é bastante conhecido, até porque boa parte da população dessa região vive em função da capital federal. Muitos são funcionários públicos, nos três poderes, incluindo Palácio do Planalto, Congresso Nacional e tribunais superiores.

Outros se ocupam do comércio em feiras e mercados, em empresas de todo tipo, enfim, moram na periferia, mas tiram seu sustento em Brasília. É como uma pessoa da grande São Paulo, de qualquer outra capital de estado ou cidades de médio porte Brasil afora.

No caso, porém, há diferenças. O quadrilátero do DF abriga algumas peculiaridades que muito contribuem para isso. A começar pela renda per capita, cuja média é a mais bem posicionada do País, segundo o IBGE. Isto, apesar de o próprio DF ter bolsões de pobreza que não fazem inveja aos de outros centros urbanos brasileiros.

Nunca é demais lembrar que o DF tem Brasília, mas abriga também outras vinte e tantas áreas administrativas, que eram chamadas de cidades-satélites. São aglomerações bem robustas, as maiores das quais são Taguatinga e Ceilândia, com perto de 300 mil habitantes cada.

Nos limites do DF, hoje, a população soma cerca de 2,2 milhões de habitantes. Só nas cidades do entorno mais imediato, ou seja, as que estão nos limites do DF, habita uma população de mais 1,3 milhão de habitantes, que nem o censo consegue medir direito, de tão rapidamente que cresce.

E aí é que o bicho pega. A começar pela própria ação do estado nos serviços básicos, como segurança pública, sem falar em saúde, educação, transporte urbano e os demais. É uma espécie de terra de ninguém, pois os governos do DF e de Goiás, por mais que digam o contrário, ficam na expectativa de que o outro tome conta do pedaço.

Existe uma rodovia que liga as BRs 040 (Brasília-BH-SP-Rio) e a 060 (Brasília-Goiânia), com cerca de 40 quilômetros de extensão, que é conhecida como depósito de cadáveres. A pista beira o DF em toda sua extensão, de modo que, como se diz por aqui, é só atravessar uma rua e jogar a responsabilidade (ou a irresponsabilidade) para o outro. E daí, babau.

Nessa saída, que liga o DF ao Sul do País, há cidades que surgiram muito antes de Brasília, ainda no século 18. É o caso das auríferas Luziânia e Paracatu, a primeira em Goiás, a outra já em Minas Gerais. Luziânia hoje está no meio do burburinho de Valparaíso, Novo Gama, Pedregal, Cidade Ocidental e outras citadas no extenso material da Globo. Todas pertenciam a este município histórico.

Já Paracatu fica mais distante, a 200 km da divisa com o DF, já na descaída do Planalto Central, mas também é da área de influência. Na época da independência do Brasil, quando já se cogitava uma capital mais central, José Bonifácio de Andrada defendia que esta fosse instalada ali, em Paracatu.

No sentido Norte, há Planaltina, que hoje faz parte do DF e ainda guarda um pouco de seu centro histórico, meio aos trancos e barrancos. No rumo Nordeste, que vai bater em Correntina ou em Barreiras, no Oeste da Bahia, a BR-070 corta, por exemplo, Águas Lindas, uma aglomeração que em coisa de uma década já tem mais de 200 mil habitantes e é município de Goiás. Verdadeiro faroeste.

É claro que o problema começa mais atrás. Primeiro, que não houve controle desse crescimento populacional, muito pelo contrário. Essa massa humana recebeu lotes de graça e serviu para eleger por quatro mandatos o goiano Joaquim Roriz para governador do DF. O fato, porém, é que é essa a realidade atual.

A educação, que poderia atenuar o sofrimento dessa gente, é algo difuso. O atendimento de saúde é quase todo em hospitais do DF, sempre superlotados e com um serviço muito aquém do razoável. Goiás pouco investe nessas duas áreas, na região. Mas é no caso da segurança pública que o problema ganha uma dimensão fantástica, digamos assim.

As polícias civil e militar do DF têm salários robustos, herança de diferenças criadas no passado para os antigos territórios federais e o DF e nunca corrigidas. Ao atravessar uma rua — aquela da desova de cadáveres, por exemplo –, o cidadão encontra um policial goiano cujo salário é quatro vezes menor do que o daquele que está no DF.

Há, pois, uma diferença entre as próprias forças policiais. A Força Nacional de Segurança, hoje empregada na região, não passa de um paliativo. Um provisório que vai ficando, vai ficando e adia, assim, alguma decisão mais firme, de efeito continuado, duradouro.

O governador Marconi Perillo, de Goiás, repete o que já afirmava nos outros dois períodos em que ocupou o cargo. Segundo ele, o problema não é dos municípios da região, nem do DF ou de Goiás. É um problema federal.

E assim segue o tiroteio.

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