O futuro de Bolsonaro pós 7 de setembro

A imensa massa que havia se mobilizado para o dia da glória e da misericórdia se dispersou em clima de enterro. Bolsonaro havia vendido um golpe e não entregou o que vendeu

Fotomontagem feita com as fotos de: Gabriela Biló/Estadão

Para estabelecer os possíveis desdobramentos da situação estabelecida com o manifesto do arrego, é preciso entender todo o contexto que levou ao fracasso do golpe “planejado” por Bolsonaro para o 7 de setembro.

Ex-militar fracassado e político medíocre, Bolsonaro vê a realidade por meio de delírios megalomaníacos. Mantinha, até o dia 7, uma fiel base de seguidores composta por uma parcela da classe média de extrema direita radicalizada, militares, especialmente de baixa patente, milícias, policiais militares e civis, evangélicos neopentecostais, o setor mais retrógrado do agronegócio e os caminhoneiros ligados a este agronegócio. Esta base até então ia ao orgasmo com os discursos desconexos e agressivos chamando-o de “mito”, o que o fez, desde o primeiro dia de mandato, acreditar que a qualquer momento essa massa poderia se levantar para lhe propiciar poder absoluto.

Eleito como o antídoto contra a esquerda pelas massas que acreditaram que o problema do país era a corrupção, aos poucos o desgoverno de Bolsonaro foi fazendo derreter o apoio tido inicialmente e sua popularidade começou a despencar em razão do desastre na condução da crise sanitária. Rapidamente, o governo foi perdendo base social, ficando seu apoio restrito à sua base fiel que sempre clamou pela volta da ditadura militar. No plano político, foi se tornado refém do Centrão para sobreviver. Para manter unida a tal base fiel, foi elevando cada vez mais o tom, elegendo como inimigos o voto eletrônico, o STF como um todo e, em especial, os ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso.

Arthur Lira, tentando ganhar tempo e esfriar os ânimos, mesmo tendo sido o projeto de voto impresso rejeitado na Comissão Especial da Câmara, se comprometeu com Bolsonaro a levar a votação ao Plenário, com a condição de que o resultado seria respeitado. Derrotado o projeto, Bolsonaro não só não cumpriu o compromisso assumido com Lira, como elevou o tom, conclamando suas hordas de fanáticos para um acerto de contas contra o Supremo no 7 de Setembro. Muitos trataram a convocação como mais uma das bravatas do bronco, mas o vazamento de um áudio do decadente cantor Sérgio Reis anunciando que a intenção era invadir o Congresso acendeu a luz amarela. Dias antes, Sergio Reis e Eduardo Araújo, outro decadente, haviam almoçado com Bolsonaro.

A equação era simples. Cada vez mais isolado e com a popularidade em queda, Bolsonaro começara a ver que o sonho de uma reeleição lhe escorregava pelos dedos. Passou a perseguir o objetivo de impedir a eleição de 2022 e, para tanto, a solução era fechar o Supremo e submeter o Congresso pela força. Como surgiu a ideia do golpe no 7 de Setembro é uma incógnita, mas o almoço de Bolsonaro com Sergio Reis e Eduardo Araújo, para aliciá-los como garotos propaganda da convocação, demonstrava que parcela do agronegócio e dos caminhoneiros estavam engajados. Na sequência, apareceu um tal de coronel Lacerda, oficial na ativa da PM de São Paulo, convocando abertamente a corporação para os atos, o que evidenciava o envolvimento dos aparatos de segurança. Empresários do baixo clero aliados aos agropecuaristas bolsonaristas passaram a financiar caravanas para Brasília e São Paulo, ao tempo em que os pastores neopentecostais começaram a arregimentar seus fiéis para o dia da misericórdia. A convocação era descarada, para um acerto de contas com os Poderes Legislativo e Judiciário. Ou seja, golpe.

Os incrédulos quanto aos reais objetivos de Bolsonaro para o dia 7 começaram a acordar e a reagir. Ao tempo em que o Judiciário respondia à altura determinando prisões de blogueiros e agitadores que pregavam o golpe, entidades do agronegócio e dos caminhoneiros vieram a público manifestar que não participavam da convocação. Entidades empresariais tomaram posição e mais próximo dos atos também os governadores se uniram em defesa da democracia. A resistência a uma tentativa de golpe se esboçava, mas ainda era preocupante o absoluto silêncio da Forças Armadas.

Foto: Gustavo Moreno/Metrópoles

Na noite do dia 6, sem nenhuma resistência da PM do Distrito Federal, as caravanas de ônibus e caminhões romperam a barreira colocada na Esplanada dos Ministérios e posicionaram os veículos no canteiro central, próximos ao Congresso. Muito provavelmente aguardavam mais caravanas no decorrer da madrugada e usariam os veículos para, no dia 7, romper as demais barreiras e abrir caminho para a multidão invadir o Congresso e o STF. Na sequência, teriam a cobertura tanto de policiais fardados quanto a paisana. Em todo o país, os caminhoneiros e agropecuaristas bloqueariam as estradas com seus caminhões e tratores e, no caos, Bolsonaro invocaria o artigo 142 acionando as Forças Armadas. Era só aguardar a ordem de tomada do poder pelo comandante supremo.

Amanheceu o dia 7 e a classe média reacionária de Brasília percorreu as vias do DF em clima de euforia com seus carrões cobertos de bandeiras, soltando suas buzinas quando passavam uns pelos outros. Dirigiam-se à Esplanada para participar do dia da glória, atendendo ao chamado de Bolsonaro. Já na concentração, um pequeno grupo fez um ensaio tentando furar a barreira próxima ao Palácio da Justiça, mas sofreu dura repressão da PM que usou gás de pimenta. Ficava claro que as caravanas esperadas de caminhoneiros não foram além dos malucos que invadiram a Esplanada no dia anterior, que não houve grande adesão das corporações de segurança e que as Forças Armadas manteriam o silêncio. Em síntese, para a tomada do poder, a manifestação contava apenas com uma grande massa de evangélicos, com a classe média brasiliense e alguns caminhoneiros, parte deles assalariados mandados por transportadoras.

Com essa composição do público presente à manifestação, Bolsonaro deve ter sido alertado de que qualquer tentativa de golpe seria um fracasso. Subiu então no palanque e ofereceu àquela massa mais do mesmo, somente a verborréia agressiva e sem sentido e nada de conclamação à invasão. A imensa massa que havia se mobilizado para o dia da glória e da misericórdia se dispersou em clima de enterro. Bolsonaro havia vendido um golpe e não entregou o que vendeu. Os carrões embandeirados retornaram para suas casas em absoluto silêncio, muito diferente do estardalhaço promovido nas horas que antecederam o ato. A moral da tropa ficou lá embaixo. Com a cabeça na guilhotina em decorrência da repercussão de seus discursos em Brasília e em São Paulo, no dia seguinte, Bolsonaro se viu obrigado a assinar o manifesto do arrego, escrito por Temer.

Bolsonaro foi obrigado a recuar e está no fio da navalha. Ganhou um fôlego com o manifesto do arrego, mas dificilmente as elites e o próprio Centrão admitirão a provocação de mais uma crise institucional. Terminar o mandato dependerá de ficar com a boca fechada, o que praticamente o inviabiliza eleitoralmente, tendo em conta que o agravamento das condições econômicas fará afundar ainda mais a sua popularidade. Parte da sua base continuará votando nele por falta de alternativa à extrema-direita, mas ele dificilmente conseguirá promover novas grandes mobilizações. A decepção com o golpe frustrado e com o arrego do líder coloca essa massa insana na defensiva, de forma que é a hora de colocar o “Fora Bolsonaro!” nas ruas com ainda mais força e amplitude, de forma suprapartidária.

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