O livro na rua

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A rua parece que tem sempre algo para nos chamar e acredito até que a gente escuta com os olhos. Quando era quase da altura de um cabo de vassoura, quase um metro ou um metro e um pouquinho ficava sempre atento para o que a rua tinha a me dizer, porque sempre não me dizendo nada me dizia muito.    
Já quase na altura de um cabo de vassoura, ainda não tinha aprendido a ler, demorei muito.  A maioria das pessoas que tinha quase a altura de um cabo de vassoura já sabiam ler. Acho mesmo que comecei a ler na rua, não que rua tivesse professores, mas cada placa, cartaz, faixa, camisa, embalagem… São tantas coisas na rua e cada uma tem desenhos, palavras e cores.

E foi na rua que descobri as primeiras palavras, ficava alegre com cada descoberta. Era como decifrar o caminho do tesouro.

Lembro que uma vez vi pintada na parede, uma foice e um martelo, o que me despertou muita curiosidade e logo perguntei a minha mãe o que era aquilo.
– É coisa de comunista
– Mas é o que é comunista?
–  É aquele povo que defende a igualdade, que divide as coisas.  

Não entendi muito, tinha apenas quase a altura de um cabo de vassoura.

A rua continuava me encantando.  Sem saber ler gostava muito de livros, aqueles que tinham poucas palavras e que eram cheios de imagens.      

Outro dia vi um livro na rua e ninguém podia levar para casa. Ele era estranho, nem tinha cara de livro, apesar de nunca ter visto livro piscando o olho ou abrindo a boca. Só sei que cada página desse livro era solta e conforme se andava pela rua era possível ir lendo suas páginas, durante o dia tinha a luz do sol e a noite a luz dos postes, onde estava cada página do livro. 
Aquele livro na rua me faz lembrar o que minha mãe me disse.

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