O menino que descobriu o vento

Um mundo de grandes sofrimentos, porém também de ternura, resistência e resiliência. Essa é a mensagem inicial do filme “O menino que descobriu o vento”. Pode conter spoilers

Filme "O menino que descobriu o vento" I Foto: Reprodução

A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem. Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, as pessoas se libertam em comunhão.”
(Paulo Freire)

No centenário desse educador revolucionário brasileiro, assistir a um filme em que, como ele ensinava, “amar é um ato de coragem”, a nós cruamente se revelam – em meio a emoção, lágrimas, reflexões e indignação – as tragédias do consumismo, do capitalismo, do egoísmo. Um mundo ao mesmo tempo farto de riquezas naturais, mas com tantas centenas de milhões de seres humanos apartados de itens básicos da vida, como alimentação, saneamento, educação e saúde.

Um mundo de grandes sofrimentos, porém também de ternura, resistência e resiliência. Essa é a mensagem inicial do filme “O menino que descobriu o vento”. Lições de força, inspiradora do adolescente que se encanta com sonhos e com Ciência.

A produção conta a história real de William Kamkwamba (interpretado por Maxwell Simba), que narra a vida em seu livro, base para o roteiro de Chiwetel Ejiofor, diretor e também ator do longa-metragem em exibição no streaming da Netflix.

O menino William, aos 13 anos, é expulso da escola por não poder pagar a mensalidade e por encontrar-se estudando escondido na biblioteca da instituição de ensino. Sua luta é descobrir como carregar água para uma terra devastada pela seca após desmatamento realizado por empresas capitalistas. O menino desenvolve um invento e incansavelmente se esforça para levá-lo à prática, que consiste em gerar energia eólica, através da montagem de um moinho com materiais recicláveis. Com todos os problemas afetando sua família e comunidade, William busca salvá-los da seca, planejando construir esse moinho de vento para alimentar uma bomba de água elétrica que ele havia catado em meio a sucatas. O jovem monta um pequeno protótipo, que prova que sua descoberta teórica funciona devidamente. Para construir um moinho de vento maior, ele exige que seu pai Trywell (Chiwetel Ejiofo) dê-lhe permissão para desconstruir a única bicicleta da vila. Nós, espectadores na plateia, somos convocados a torcer pelo sucesso da invenção.

Filme “O menino que descobriu o vento” I Foto: Reprodução

O filme é ambientado no início da década de 2000, quando William ainda era um adolescente vivendo em Kasungu, uma pequena cidade do Malawi (país da região central do oeste africano). Segundo o censo de 1998, Kasungu tinha então 27.754 habitantes. Segundo o Índice do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud), de uma lista de 189 países, Malawi se encontrava em 2018 no 171º lugar em desenvolvimento humano.

William é dotado de uma inteligência singular e extrema curiosidade, com a consciência de ajudar sua família e seu povo, não desiste de sua ideia, de seu invento, o que mudaria a vida de todos, já que a dominação e profunda exploração a todos submetia, com fome, miséria e condições degradantes

Uma lição de defesa da natureza, da força das mulheres manifestada pela mãe e pela irmã de William em uma sociedade de agricultura familiar, demonstrando uma forte ligação daquele povo com o meio ambiente e a cultura ancestral.

No Brasil de 2021, quase 3 milhões de crianças e adolescentes em idade escolar estão fora da escola, segundo os dados do Censo Escolar, quadro esse agravado por sucessivos cortes de verbas destinadas ao Ministério da Educação. Além disso, há um quase abandono das políticas públicas, o que ocasiona mais fome e miséria nos lares brasileiros, em decorrência da nefasta atitude do governo federal, indiferente ao aumento das desigualdades educacionais e sociais.

É impossível não se emocionar com toda a trama. Temos, como brasileiras e brasileiros, marcados por fortes ligações com a ancestralidade do povo africano e povo indígena, com a defesa da natureza, com o exemplo de Paulo Freire da educação como relevante fator de transformação social, a relação entre o ensinar e o aprender, em especial com os excluídos. Como nos deixou o patrono da educação brasileira: “Onde quer que haja mulheres e homens, há sempre o que fazer, há sempre o que ensinar, há sempre o que aprender.” Assim, o filme inquieta, provoca indignação, mas sobretudo uma disposição de prosseguir alimentando esperanças em dias melhores e socialmente justos.

  • O menino que descobriu o vento
  • Data: 8 de abril de 2020 na Netflix
  • Duração: 1h 53min
  • Gênero: Drama
  • Direção e Roteiro: Chiwetel Ejiofor
  • Elenco: Maxwell Simba, Chiwetel Ejiofor, Aïssa Maïga
  • Título original: The Boy Who Harnessed the Wind

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