O nacionalismo conseqüente e o Bloco de Esquerda

As coisas devem ficar claras, ou ao menos caminhar para uma cristalização. O desafio do Bloco de Esquerda deve ir muito além da reunião de partidos políticos para a disputa do poder. Nosso diferencial deve residir na elaboração de um programa nacionalista

Por outro lado, corremos o risco, caso cheguemos ao governo, de acusar de golpistas nossos adversários, ao mesmo tempo em que aplicamos o programa receitado por eles, maiores inimigos do povo brasileiro.


 



Projeto nacional de desenvolvimento?


 


A assertiva da necessidade de um projeto nacional de desenvolvimento está ficando cada vez mais desgastada tamanha a heterogeneidade das forças políticas que a têm como discurso. Por exemplo, durante a última campanha presidencial, o candidato das forças conservadoras explanava pelos cotovelos o objetivo de se pautar tal projeto. Pior, aproveitando a esteira de uma minissérie noturna que passou na Rede Globo, tentou casar sua figura com a de Juscelino Kubitschek.


 


 


Dez em cada dez políticos afirmam que o Brasil necessita de um projeto nacional. Porém, tenho certeza de que boa parte deles acreditam que o Brasil deve continuar no rumo da liberalização cambial, da retomada das sucessivas reformas previdenciárias e trabalhistas e da “necessidade” do auxílio do capital financeiro externo para construirmos uma ferrovia de alta velocidade na megalópole Rio-SP (com custo de US$ 8 bilhões), pois nosso país não tem capacidade financeira para tanto. Abrindo parêntese, infelizmente não sabem que o Brasil já conta com uma completa rede bancária estatal e privada e um mercado de capitais pronto para ser utilizado como suporte de nosso desenvolvimento industrial. Mais, sabendo-se que o capitalismo funciona a base de crédito, logo, o principal desafio de uma nação nos tempos modernos não reside somente na construção de reservas cambiais, mas sim no aparelhamento de um sistema nacional de intermediação financeira, para que não nos alienemos internacionalmente. Aliás, a primeira pessoa que deveria saber disso é Lula, ou ao menos sua medíocre assessoria econômica. Assim não enviaria a ministra Dilma Roussef para uma rodada de mendicância pela Europa atrás de financiamento para esta estrutural obra (ferrovia Rio-SP). O direito não consagra direitos aos mendigos. 


 


Retornando, paradoxalmente, esta é a visão de projeto nacional de desenvolvimento encampada pela ampla maioria dos partidos políticos, o que em síntese é o aprofundamento do programa de FHC-FMI para a nação de reformas que contemplem as necessidades de reprodução do capital fictício e de seus “investidores”. Outros esmeram este programa com os chamados programas compensatórios. Iniciados durante o (des) governo FHC, ganharam musculatura durante o governo Lula, porém perdem – numa visão de conjunto do tecido social brasileiro – um pouco de seu caráter compensatório na medida em que os bancos e as 40.000 famílias detentoras de títulos da dívida pública dividem entre si cerca de 35% do orçamento da União, o que correspondeu entre 2003 e 2006 a mais de R$ 800 bilhões, enquanto que os investimentos no Bolsa Família não chegaram nem a um décimo desse valor.


 


O sistema cambial almejado pelos “desenvolvimentistas” (sic) do outro lado é sinônimo de uma grande contradição. Ao lado, de um possível crescimento econômico que pode variar entre 4,5% e 5% nos próximos (aliás, por que comemorar esses índices?) produzirá ao mesmo tempo um aumento da demanda efetiva. Porém, produzirá um padrão de distribuição de renda que contemplará (já contempla) um achatamento da classe média e a ascensão da “classe E” para no máximo a “classe D”. Muitos especialistas têm escrito sobre esse fenômeno da proletarização da classe média que ocorre sob o Brasil de Lula. Isso se explica, em linhas gerais, pela desindustrialização em setores com capacidade de absorção de grandes contingentes de mão-de-obra (indústrias têxtil e de calçados), ao mesmo tempo em que o crescimento (esse crescimento em marcha no Brasil que emprega milhares de pessoas na construção civil e com baixíssimos salários) gera demanda. Tal demanda, em grande parte é satisfeita por produtos importados. Esse é o padrão de crescimento subordinado à lógica financeirizada aludida na década de 1970 por Celso Furtado, que também é caracterizada (segundo Furtado) por uma transformação de poupança interna em poupança externa, dada a facilidade de se sair do país e “gastar lá fora” que esse câmbio propicia.


 


Isso sem falar da falácia do “ganho de competitividade” das empresas nacionais por conta desta política de câmbio flexível. Algo não atestado pela história econômica mundial pelo menos dos últimos 200 anos.



 


Continuidade e ruptura


 


A bandeira do projeto nacional de desenvolvimento deve ser empunhada pelos que realmente acreditam que o Brasil pode retomar algo que foi abandonado e que tenha como base a idéia de que nosso país deve ocupar um lugar no cenário internacional não subordinado e que o desenvolvimento das forças produtivas nacionais passa, de forma necessária, pela utilização de potencial produtivo e humano já engendrados em nosso território e não algo que se confunda com flexibilidade cambial, mais reformas da previdência e muito menos reformas de tipo trabalhista com conteúdo reacionário. Se tudo isso que nossos interlocutores elaboram ou trazem pronto de fora tem o objetivo de reduzir um chamado “custo-Brasil”, devemos deixar claro que a aferição do “custo-Brasil” deve ser precedida pela medida exata dos interesses nacionais e populares e que a matança de nossa juventude nas periferias das grandes cidades deve deixar de ser a expressão da redução – pela via reacionária – do “custo-Brasil”.


 


Desta forma, o grande desafio e diferencial do nosso Bloco de Esquerda é o de assumir de forma clara, não mitigada, um discurso nacionalista conseqüente e claro e que coloque no campo de batalha político o elemento nacional, patriótico e abastecido programaticamente por uma elaboração que enfatize que, enfim, nosso país vai retomar o rumo iniciado pela Revolução de 1930 e interrompido pela tomada do poder da República pelo imperialismo com a eleição de Collor em 1989.


 


Os lançamentos do Bloco pelo Brasil têm sido marcados pela consigna de “Avançar Mais” numa clara alusão a uma continuidade com o governo Lula. Bonito, lindo, mas não é suficiente. O governo Lula, com todo o progresso a que se assiste no campo da democracia, como nas discussões em torno de um projeto nacional (e a nomeação de gente séria em alguns órgãos do governo), e também na tentativa de planejar nossa economia pela via do PAC e de nosso comércio e política exteriores, foi ao mesmo tempo o responsável pela institucionalização do neoliberalismo como política de Estado e não somente de governo. Exemplo maior é o câmbio flexível que muitos incautos tentam camuflar seus efeitos pelos nossos superávits comerciais e formação de reservas cambiais e conseqüentemente pela queda de nossa vulnerabilidade externa, mas não tentam fazer o mínimo esforço de decompor nossa pauta de exportações e importações, muito menos explicar a razão pelas quais muitos compatriotas de baixa renda ainda morrem em filas de hospitais a espera de atendimento. É uma questão de opções e Lula fez as dele. Façamos as nossas.


 


Dado o desgaste e a desmoralização ante a repetição de programas de outrem (do inimigo), a alternativa de discurso do Bloco deve ser a ênfase na transição de um programa em andamento para outro. Como em ciências sociais tudo deve ser encarado de forma processual e a própria correlação de forças em âmbito nacional não permite grandes guinadas e/ou rupturas, nosso PROGRAMA NACIONALISTA deve propor uma transição do atual regime cambial para um regime mais sério. Como falar contra as metas de inflação é algo que soa maluco para muitos, devemos propor alterações nesta meta que comporte um crescimento econômico acima de 7% já no primeiro ano de governo. Ao lado disso, um amplo programa de investimentos públicos e privados no sentido de alterar essa vergonha a que assistimos no último mês relacionado ao fim do ciclo da queda da taxa de juros. Tal “fim de ciclo” é compreensível, afinal a utilização de capacidades produtivas instaladas está beirando a casa dos 90%, logo sem investimentos maciços em novas cadeias produtivas, voltará o “fantasma” da inflação. Porém, a própria política de juros do Banco Central impede a execução de ditos investimentos. Continuando o círculo vicioso, é interessante notar que esta mesma política foi responsável na década de 1990 por destruição de forças produtivas no Brasil o que viabilizou – em parte – as médias de crescimento que tivemos entre 1991 e 2006 e a não existência mais de capacidade instaladas do mesmo número que havia há pelo menos 15 anos atrás. O desconhecimento disso leva muita gente a comemorar que esta utilização de capacidade é a maior dos últimos 30 anos sem saber que de lá para cá houve grande regressão produtiva em nosso país.


 


Um raciocínio lógico nos levará a conclusão que somente um programa político que preveja o fim deste estado de coisas é algo que nos viabiliza como alternativa. O Bloco de Esquerda deve ser capaz de responder a estas demandas levantadas, o que significa não tergiversar sobre o que significa “Avançar Mais”. As coisas devem ficar bem claras para toda a nação e a bandeira do nacional é a única bandeira capaz de reunir as mais amplas forças interessadas na mudança de rumos, ou melhor dizendo, numa continuidade e ruptura com o legado do presidente Lula.



 


O estratégico e o Capitalismo de Estado


 


Pensar estrategicamente é o exercício que comporta a assimilação histórica de uma certa formação social, o Brasil em nosso caso, para em seguida trilhar rumos que podem ter alcance de uma a até cinco décadas. Olhando desta forma percebo algo com que discordo no campo da esquerda: a negação do modelo que foi a pedra de toque pra transformar um país agrário e sem futuro no país que mais cresceu no mundo no século XX. Apelos de ordem religiosa e sem cientificidade para o capitalismo, como “crescimento com distribuição de renda” que redunda em assertivas como a reforma agrária e os investimentos em educação como as panacéias do Novo Mundo. Isso sem falar das críticas (feita por toda a esquerda) ao modelo de internalização de montadoras estrangeiras iniciadas pelo governo JK, a qualificando como algo “pró-imperialista”, como se uma poderosa indústria nacional de autopeças não tivesse surgido por conta desta política. Indústrias estas (de autopeças) que foram capazes de deixar para trás concorrentes estrangeiros, porém a gosto de muita gente de esquerda, foram destruídas pelo vendaval neoliberal. Esse tipo de opinião explica em parte a tragédia que são as assessorias econômicas de 90% da esquerda brasileira. Uma tragédia histórica por sinal. Devemos superar essa sina.


 


Retornando, evidente que com o esquema de distribuição de renda que temos as coisas não podem ir muito bem. É o preço que pagamos pelo fato de termos nos desenvolvido sem reforma agrária, bem ao estilo alemão e japonês. Mas não podemos negar que mesmo as coisas terem sido da forma como houve, o desempenho do Brasil – visto em perspectiva histórica – foi brilhante enquanto se pensou este país como algo de futuro. Mas que da mesma forma dos modelos alemão e japonês, a única forma de compensação às grandes disparidades de renda é a continuidade, ciclo após ciclo, de grandes índices de crescimento econômico (1).


 


É claro que o nosso padrão de industrialização, em seu início (Departamento 1 pré-industrial ou nas palavras de Marx, artesanal), o multiplicador de emprego do investimentos era muito maior que no momento em que completamos nossa industrialização (pela instalação de um Departamento 1 Novo) no final da década de 1970. Dado o novo formato de nossa indústria (poupadora de mão-de-obra), a crise que era agrária transformou-se em crise urbana. Dupla crise esta que vivemos até os nossos dias.


 


Ora, não é o discurso ideologizado que nega nosso brilhante passado de desenvolvimento nacional (2), nem a adoção de um discurso católico “distributivista” que irá ser o diferencial do Bloco de Esquerda. Trata-se de erros em matéria de ciência econômica que corresponderiam a um imenso erro político, de graves conseqüências para o povo e a nossas pretensões à soberania nacional. Erros esses que – por exemplo – levam nosso presidente da República a afirmar para platéias deslumbradas (e analfabetas, apesar de diplomadas) que nosso país nunca viveu “momento tão espetacular”, ou que no Brasil o desenvolvimento ocorre “sem prejuízos à democracia”.


 


O nosso diferencial deve residir na implementação de políticas que contemplem a superação do neoliberalismo e das disparidades de renda da nação pela via da construção de um Capitalismo de Estado. Esse foi o diferencial da reprodução de capitalismos tardios como o da Alemanha e o Japão que os permitiu, amiúde suas estruturas agrárias, uma maciça inclusão de pessoas ao mercado consumidor. Em nosso caso, o efeito social de uma política desenvolvimentista e nacionalista deverá passar por um salto quantitativo de nossa capacidade de investimentos do setor público e privado, pelo aprofundamento do planejamento de nosso comércio exterior e a adoção de uma política cambial que contemple a institucionalização para empresas brasileiras de nossa reserva de mercado (3).


 


Já a pré-condição para tudo isso é o surgimento de um capitalismo financeiro brasileiro. Mirando historicamente, é o curso natural de um processo iniciado com nossa independência em 1822, que culminou com o surgimento de nosso capitalismo comercial e da Revolução de 1930 e a criação de nosso capitalismo industrial.


 


A transição no rumo do Capitalismo de Estado, eis o grande desafio colocado pela história ao nosso Bloco de Esquerda, cuja mediação ideológica de um programa nacionalista é o grande centro aglutinador dos melhores cérebros e pessoas públicas da nação brasileira.


 


Notas:


(1) RANGEL, I. “Carta Aberta aos Economistas”. Folha de São Paulo. 22/03/1985.  In, “Obras reunidas de Ignácio Rangel”. Vol. 2, p. 420-422. Contraponto. 2005.


(2) Discurso travestido de “esquerda radical”, porém com conteúdo altamente reacionário.


(3) Sobre o instituto da reserva de mercado e seu papel no desenvolvimento brasileiro, ler: RANGEL, I.: “Economia Milagre e Antimilagre”. Zahar. Rio de Janeiro, 1985. In, “Obras reunidas de Ignácio Rangel”. Vol. 1, p. 681-735. Contraponto. 2005.


 

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