O ódio e a morte contra a cultura

Os olhos apertados, a postura encurvada e a mão no ar. Apontando para o alto, em gesto quase que ensaiado, um pastor neopentecostal se vira para uma multidão, dentro de uma igreja e esbraveja: “Um anjo enviado por Deus virou o manche do avião onde estavam os Mamonas Assassinas. Ele libertou nossas crianças de ouvir aquela música ao jogá-los no meio do morro”.

Em outro vídeo, desta vez o alvo é o cantor e compositor John Lennon: “Um tiro pelo Pai, pelo Filho e Espírito Santo”, grita. Como detentor de uma verdade indiscutível, o pastor vibra. Vibra pela morte de inocentes, de jovens e de músicos. Vibra pelo sofrimento de famílias inteiras e fãs que entendiam o humor das divertidas canções da banda. Vibra pelo sofrimento de tantas pessoas no mundo que apreciavam as letras do artista britânico. Meus filhos vibravam, os seus provavelmente. Quem não? Quem não se divertia com o humor de Dinho, Bento, Samuel, Sérgio e Júlio? Quem não se deliciava com as canções sobre amor e paz de John Lennon?

Os vídeos resgatados dos cultos religiosos do pastor Marco Feliciano, agora deputado federal por São Paulo, onde prega o ódio e a morte de artistas, aliás publicados maciçamente – até mesmo por seus interesses eleitorais – se tornam alicerces de como sua mente reage ao mundo à sua volta e define bem sua personalidade e seus valores. Presidindo a Comissão de Direitos Humanos e Minoras (CDHM), o parlamentar vê escapar de seu passado recente ideias que não são compatíveis com o colegiado que lidera. Foi através das redes sociais, onde externou posições preconceituosas contra negros e homossexuais, foi através de pequenos vídeos, cortados estrategicamente em suas falas medonhas.

Como presidente da Comissão de Cultura, me senti agredida. Como mãe e como cidadã também. Assistir os vídeos de seus cultos no Youtube, ler suas mensagens reverberadas em cunho fundamentalista no Twitter e presenciar seus atos contra a liberdade de expressão através da presidência da CDHM é chocante. Cada vez mais, o pastor – ou deputado – se afasta da possibilidade de continuar presidindo aquele colegiado. Aliás, colegiado que o próprio Partido Comunista do Brasil (PCdoB) liderou muito bem, através da deputada Manuela D’Ávila. Suas posições pessoais e religiosas sobre a sociedade não se encaixam na posição que ocupa, nem representa a maioria dos que professam a fé cristã, que jamais seriam avalistas de homicídios, ou mesmo justificariam como vingança divina a morte de jovens músicos no acidente aéreo.

Na última semana, vi nos olhos de inúmeros manifestantes como é constrangedor ser barrado na própria “casa do povo”. Em audiência pública com a ministra da Cultura Marta Suplicy, na Comissão que presido, pude ouvir os gritos ao lado sobre o requerimento aprovado na CDHM e que impedia pessoas de protestar na sala. Por que não se pode protestar? Foi então que os convidei a participar da audiência com o ministério, onde muitos acompanharam em paz nossas falas sobre a Cultura do País. É tão difícil assim?

O genial John Lennon foi artista de gerações e inspirou tantos outros, hoje em carreira no Brasil. Os Mamonas expressavam uma arte onde o humor e a irreverência eram marca. Infelizmente, estão à margem do amor e da solidariedade os que se esgueiram pela existência dentro de cabrestos ideológicos, pregando a morte de adultos e jovens. Aliás, talvez algo o atual presidente da Comissão de Direitos Humanos saiba representar bem: a sua própria e individual "verdade divina”.

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