O papel político do direito

Desde que o socialismo passou a ser uma ciência e não mais um sonho abstrato, todos que se propõem a construção de uma nova ordem social precisão, necessariamente, compreender como a ordem capitalista surgiu e se desenvolveu dentro da sociedade feudal. O conhecimento do desenvolvimento histórico das sociedades é um grande instrumento para quem deseja edificar, com base científica,  a ordem socialista. Por isso, saber como se desenvolveu a luta política no seio daquela sociedade é fundamental para que possamos ser capazes de, no curso da luta política, nos apropriarmos de todas as formas de luta que ajudem na edificação de caminhos para nossos objetivos.

Nosso escopo é iniciar a transição, dentro da sociedade capitalista, para à sociedade socialista. Nessa perspectiva, importa analisar como a classe burguesa atuou na luta para a construção da sociedade capitalista. A sociedade feudal era hostil aos interesses da classe burguesa. Os comerciantes viviam a margem da sociedade feudal, o comercio não tinha nenhuma importância na sociedade da época, a burguesia não exercia poder naquela ordem, pois as relações de poder se estruturavam em torno do rei e de sua relação divina.

Não tendo seus interesses atendidos na sociedade de então a classe burguesa iniciou uma luta incessante para ver seus interesses contemplados na ordem feudal. Foi criando, num processo longo e lento, situações que abriam brechas dentro da ordem feudal para as suas reivindicações, ocupou prédios, questionou impostos, organizou movimentos que possuíam pautas amplas aglutinando em sua volta diversos setores que ajudavam na luta política.

Um elemento fundamental para consagrar a hegemonia da classe burguesa foi a composição de um corpo de intelectuais que defendessem  seu modelo de sociedade e justificassem suas ações. No campo do direito esse fenômeno é de fácil comprovação:

À medida que aumentava o número, o poder, dos comerciantes, os ideólogos jurídicos desta classe fizeram um esforço para justificar o lugar do comércio na simetria da vida feudal. Buscaram também uma acomodação com o Direito feudal e procuraram explorar-lhe os pontos fracos. Em segundo lugar, à medida que o comerciante ampliava seu campo de atividades e criava as instituições de comércio, entrava em choque direto com os interesses econômicos e políticos dos senhores feudais de uma outra parte do território… Por último, haviam leis que os próprios mercadores elaboraram, a ordem jurídica que conceberam para servir a seus próprios interesses. i

Com o desenvolvimento das relações sociais e institucionais e com a ampliação do papel do Estado na regulação dessas relações, o direito passou a ocupar um papel político fundamental para a continuidade da sociedade capitalista. O direito não é mera produção do Estado, entretanto o Estado só se relaciona com a sociedade por meio do direito, desa forma o direito ganha dimensão organizadora e mediadora das relações sociais e produtivas, nesse sentido direito e política são inseparáveis.

A burguesia não podia reconhecer o papel político do direito, porquanto sua principal fonte de legitimação ficaria fragilizada. Sua alternativa foi criar uma cisão no discurso jurídico. Essa cisão consiste em afastar do direito a dimensão política, só importa ao direito as questões “científicas”, o direito assumiria uma condição de “neutralidade” nessa visão. Essa cisão no discurso jurídico tem por objetivo esconder o caráter político do direito. Infelizmente, por vezo ideológico, os marxistas não se dedicavam à investigação do fenômeno jurídico. Apenas aceitamos a visão imposta pelos intelectuais do “status quo” acerca do direito.

O direito é o instrumento que cumpre a função de estruturar e direcionar às relações sociais, dando-lhes forma e condições de consolidar os objetivos de determinada sociedade. Ele funciona como estruturador e mediador das relações sociais, econômicas e políticas; portanto, das relações de poder. O direito serve como amálgama e orientador da sociedade em desenvolvimento, tem caráter eminente político. Nesse sentido, cabe a quem deseja edificar uma nova ordem social compreender o papel político do direito, incorporá-lo ao seu projeto político, buscar desenvolvê-lo e utilizá-lo no processo político de construção de alternativas rumo ao socialismo.

i TIGAR, Michel e Madeleine Levil. O Direito e a ascensão do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 20-21.

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