O Partido Comunista do Brasil em 1968 (1)

O ano de 1968 foi marcado pela primeira grande crise do regime militar. Acontecimentos como esse impacta fortemente os partidos políticos, especialmente os que procuram representar os interesses populares. Este ensaio, dividido em três partes, tratará da

O PCdoBrasil, reorganizado em 1962, se caracterizou, num primeiro momento, pela tentativa de reafirmação da estratégia revolucionária e a da luta armada como meio privilegiado para se conquistar um novo regime político, democrático e popular. Esta foi a maneira encontrada para demarcar campo com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o maior partido de esquerda do país na época.


 



Neste esforço de diferenciação, o PCdoB acabou, muitas vezes, caindo em posições táticas esquerdistas e sectárias diante das demais forças políticas e sociais nacional-populares. Foi apenas às vésperas do golpe militar de 1964 que esse rumo foi corrigido. Mas era tarde demais para que a autocrítica pudesse ser traduzida em práticas políticas concretas. A contra-revolução já estava nas ruas.


 



Apesar dos erros cometidos, a intentona de 1964 fez crescer o respeito do Partido Comunista do Brasil. Afinal, o Partido havia passado grande parte do seu tempo denunciando aqueles que apregoavam “a revolução através das reformas” e defendiam o caráter democrático do capitalismo e das forças armadas. O golpe militar, no essencial, refutou todas essas teses.


 



O PC Brasileiro passou a viver uma grave crise interna. Importantes dirigentes e comitês partidários criticavam abertamente sua política, tachando-a de reformista e revisionista. Estas mesmas acusações já vinham sendo feitas pelos reorganizadores do PCdoB desde 1958. Por isso, eles foram os primeiros a se beneficiar dos contratempos vividos pelo partido comandado por Prestes.


 



Entre 1964 e 1965 o Comitê dos Marítimos do PCB, dirigido por José Maria Cavalcante, integrou-se ao PCdoB. Um ato que se revestiu de grande valor simbólico, pois se tratava de uma base operária muito importante e com grande tradição de luta. Seus membros desempenhariam um papel inestimável no processo de expansão do Partido para vários Estados brasileiros. Nesta mesma época, dezenas de militantes trocaram o PCB pelo PCdoB. Esse fenômeno ocorreu principalmente no Ceará, Maranhão e Minas Gerais.


 


 



Não somente membros do PCB vieram engrossar o PCdoB. Nele integrar-se-iam vários militantes que haviam pertencido às antigas Ligas Camponesas. Esse processo já havia sido iniciado um pouco antes do golpe militar.


 


 


Em 1966 o pequeno e aguerrido PCdoB já estava organizado nacionalmente e em condições de realizar uma conferência nacional, a primeira depois de 1962. Neste conclave foi aprovado o documento “União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neo-colonialista”. O objetivo central dos comunistas era construir uma tática adequada para o combate à ditadura militar recém-implantada. Apenas um programa revolucionário, que apontasse o objetivo final e os rumos mais gerais do movimento revolucionário, era insuficiente. Era preciso encontrar as formas e os meios de aproximação dos objetivos estratégicos. Ou seja, era necessário construir uma tática adequada ao momento.


 


 


A resolução política da Conferência dizia que “estava colocada na ordem do dia à necessidade de organizar a mais ampla união patriótica que – sob o lema de independência, progresso e liberdade – pudesse aglutinar em um impetuoso movimento nacional as forças populares e as correntes democráticas”. Continuava o texto: “Qualquer que seja a filiação partidária, a tendência filosófica ou religiosa, a classe ou camada social a que pertençam, os verdadeiros patriotas tem o dever irrecusável de se unir para a ação comum contra os inimigos da democracia e da soberania nacional”. 


 


O PCdoB defendia a derrubada da ditadura militar e a implantação de “um governo democrático, representativo de todas as forças patrióticas, cuja primeira e grande atribuição seria convocar uma Assembléia Nacional Constituinte”. Por fim, apontava o caminho da “guerra popular” e a prioridade do trabalho no campo. Neste aspecto era possível constatar a forte influência da revolução chinesa e do pensamento de Mao Tse-Tung na elaboração partidária.


 



 O Partido não era imune às pressões pelo desencadeamento imediato da luta armada e às influências das idéias foquistas, muito difundidas na América Latina. Durante os debates internos sobre os caminhos da revolução brasileira, surgiu um grupo que se intitularia Ala Vermelha (AV), que criticava a aparente “inação” partidária diante da luta armada. Por este mesmo motivo se desprendeu um pequeno grupo de militantes do nordeste que fundaria o Partido Comunista Revolucionário (PCR). À frente das duas cisões estavam elementos provenientes das Ligas Camponesas que haviam feito cursos político-militares na China. 


 


 


O que os dissidentes da Ala e do PCR não sabiam é que a direção do PCdoB já havia iniciado os preparativos para montagem da guerrilha rural e o desencadeamento da guerra popular. Formou, inclusive, uma comissão militar – encabeçada por João Amazonas e Maurício Grabóis – e, secretamente, deslocou militantes para o interior do país à procura de áreas adequadas para implantação do movimento guerrilheiro. 
Portanto, nestes anos, a direção do PCdoB foi obrigada a travar uma luta político-ideológica em duas frentes. De um lado, contra o chamado reformismo e, de outro, contra as concepções esquerdistas e militaristas, que negavam a política de frente-única e pretendiam a imediata deflagração da luta armada nas cidades.


 



Em 1967, às vésperas de seu congresso, a crise do PCB atingiu seu auge. A direção perdeu votações nos comitês estaduais de São Paulo e da Guanabara. Os confrontos entre dirigentes em torno da linha política levaram a cisão do Partido e a formação de diversas organizações, como a Ação Libertadora Nacional (ALN), o Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) e o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Deste processo participaram Carlos Marighella, Mário Alves, Jover Telles, Jacob Gorender, Joaquim Câmara Ferreira, Apolônio de Carvalho entre outros.
Neste momento parte do Comitê Estadual do PCB da Guanabara, dirigida por Jover Telles, se integraria ao PCdoB. Assim, o Partido aumentaria sua influência num dos principais Estados da federação.


 


 


 O PCdoB  no movimento estudantil


 


 


Quando houve a ruptura em 1962 poucos foram os estudantes que adeririam ao PCdoB. No entanto, logo após o golpe, a maior parte do Comitê Estudantil do PCB do Ceará, liderado por Oséas Duarte, ingressou no PCdoB. A partir daí houve um rápido crescimento da influência deste Partido no interior do movimento estudantil cearense, transformando-o na sua principal referência nacional.


 



Em 1967 o pcdobista João de Paula Ferreira foi eleito presidente do DCE da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ele havia sido indicado com o voto unânime das correntes de esquerda. Carlos Augusto, mais conhecido como Patinhas, por sua vez, foi eleito presidente do Centro Acadêmico de Engenharia. Um simpatizante do PCdoB chamado José Genoino se elegeu presidente do Centro Acadêmico de Filosofia da Universidade Estadual. Deste modo, quando explodiu o movimento estudantil no início de 1968, o PCdoB já era a principal força política entre os estudantes cearenses.


 


 




 


 


O ano começou com a luta dos excedentes por vagas na Universidade Federal. Durante esta campanha, o reitor da UFC convidou o general Dilermando Monteiro para ministrar a aula inaugural. O comitê estudantil do PCdoB resolveu estragar a festa e propôs às entidades – e aos excedentes – uma manifestação de protesto.


 



Na hora marcada, dezenas de estudantes tomaram assento no auditório onde se daria a aula magna. Quando ela ia começar, João de Paula tomou a palavra a criticou a presença do general e se retirou com os demais estudantes. Foi um alvoroço. Como punição o DCE foi suspenso por seis meses. Medida olimpicamente ignorada pelos estudantes. Isso aconteceu poucos dias antes do assassinato do estudante Edson Luís na Guanabara. O principal dirigente partidário no Estado era o veterano José Duarte, que havia sido deslocado para o Ceará em 1967.


 



Na cidade de Fortaleza, em repúdio à morte do secundarista carioca, ocorreu uma manifestação com cerca de cinco mil pessoas – número significativo tendo em vista o tamanho da cidade. Durante o protesto, estudantes depredaram o escritório da United States Information Service (USIS). A ação foi organizada pelos comunistas que estavam em processo de radicalização visando à preparação da luta armada. Dois estudantes foram presos. A resposta foi uma greve universitária que durou sete dias.
Logo após a “passeata dos cem mil” no Rio de Janeiro, o povo de Fortaleza novamente foi às ruas e realizou uma manifestação com mais de 20 mil pessoas – o maior protesto contra a ditadura ocorrido naquele Estado. Nela seriam as lideranças estudantis do PCdoB e da AP que se destacariam. 


 



Em 1968 ocorreu nova eleição para o DCE da Universidade Federal. Desta vez as disputas cada vez mais acirradas no movimento estudantil não permitiram a formação de uma chapa unitária. Apresentaram-se três chapas: uma da AP, presidida por Mariano de Freitas, uma dos trotskistas e outra do PCdoB. A chapa comunista era presidida por José Genoino, que agora era calouro do curso de direito. Ela ganhou a eleição com um maior número de votos que a soma das outras chapas concorrentes.
Na Bahia o PCdoB também conheceu um crescimento significativo naquele ano. Em abril ele venceu a eleição para o prestigiado Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da UFBA. O presidente eleito foi Rosalindo Souza. Outro militante que, alguns anos depois, desapareceria nas selvas do Araguaia. 


 



Certo dia, em resposta à prisão de um militante do PCdoB, os estudantes capturaram e julgaram um agente da repressão que fazia campana próximo à residência universitária. Testemunhas afirmaram que o próprio Rosalindo comandou a ação. Em agosto houve um movimento para expulsar agentes da repressão que “cursavam” a faculdade de direito. Nos conflitos que se seguiram a faculdade foi fechada por alguns dias. 


 



No final do ano a chapa presidida por Aurélio Miguel Pinto Dórea – do PCdoB – ganhou a eleição para o DCE da UFBA. Ela era composta por militantes do PCdoB e da AP, que estavam em processo de franca aproximação no movimento estudantil. Aurélio Miguel iria compor a diretoria clandestina da UNE pós-1968.


 



Nos Estados de São Paulo e da Guanabara o PCdoB tinha menos expressão entre os estudantes. Ali a disputa era mesmo entre AP e as dissidências pecebistas. Mas, a sua ação já começava a ser sentida. Em 1967 Antônio Ribas, que ingressaria no PCdoB, foi eleito presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas. Esta entidade teria uma ativa participação nos acontecimentos de 1968. Entre os militantes estudantis que começavam a se destacar estava Helenira Resende, que seria eleita diretora da UNE em 1969.


 



No final de 1968, a chapa do PCdoB venceu a eleição para direção da associação de moradores do Crusp – um dos principais centros de resistência à ditadura. O candidato comunista à presidência foi Celso Nespoli Antunes. Segundo ele, o Partido ganhou a eleição com grande diferença de votos em relação à chapa apoiada pela dissidência. Um sinal de que a influência do PCdoB entre os estudantes paulistas estava em ascenso.


 



Na Guanabara as coisas melhoraram quando houve a incorporação da Maioria Revolucionária do Comitê Regional do PCB. Neste processo ingressaram vários estudantes, entre eles Ronald Rocha. Este, que pertencia a uma das dissidências do PCB, foi eleito presidente do Centro Acadêmico Edson Luís – do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Esta entidade foi uma referência importante da luta estudantil no Estado. Outro militante do PCdoB, Arildo Valadão, se elegeria para presidência do CA da Faculdade de Física.


 



Foi o próprio Ronald Rocha que nos falou sobre a sua participação na passeata dos 100 mil: “o comando da passeata dos 100 mil, de três militantes, tinha a seguinte composição: eu (então presidente do CAEL e membro do DCE-UFRJ), Marcos Medeiros (militante do PCBR em fase de organização e membro do DCE-UFRJ) e Cid (militante do recém fundado MR-8)”.


 



Segundo ele, foi apenas no período de preparação do 30º Congresso da UNE que se conseguiu se organizar “uma bancada do Rio de Janeiro em torno da política do PCdoB”. A partir daí houve um crescimento acentuado da influência do PCdoB entre os estudantes cariocas. “Durante 1971 esse partido tornou-se a força majoritária no movimento estudantil carioca. Nessa época já havia centenas de militantes e um Comitê Universitário experiente e capaz”, afirmou Ronald.


 



Assim, contraditoriamente, foi após a queda do congresso da UNE em Ibiúna – e da promulgação do AI-5 – que o PCdoB conheceria sua maior influência nas entidades estudantis do Rio e do Brasil, que já começavam a viver na clandestinidade e terem suas bases sociais corroídas pela dura repressão policial. 


 


 


(Na próxima parte deste ensaio trataremos da política estudantil nacional do PCdoB e de sua atuação na UNE). 


 


 


 


Agradecemos as entrevistas exclusivas concedidas por Ronald Rocha e Carlos Augusto Patinhas. O agradecimento se estende a Jean Rodrigues que nos cedeu as entrevistas feitas por ele com Oséas Duarte e Celso Nespole Antunes. Estas se encontram depositadas no Arquivo Edgard Leuenroth – IFCH/Unicamp.


 


 


Bibliografia


 


Coleção de jornal A Classe Operária de 1968 – Arquivo Edgar Leuenroth – IFCH/Unicamp 
Coelho, Maria Francisca Pinheiro – José Genoino: escolhas políticas, ed. Centauro, SP, 2007.
Freitas, Mariano – Nós, os estudantes, Edições livro técnico, Fortaleza, 2002.
Paraná, Denise – Entre o sonho e o poder: a trajetória da esquerda brasileira através das memórias de José Genoino, Geração Editorial, SP, 2006
PCdoB – União dos Brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neo-colonialista” in A linha política revolucionária do Partido Comunista do Brasil (M-L), Ed. Maria da Fonte, Lisboa, 1974.
PCdoB – “A política estudantil do Partido Comunista do Brasil” in Política e revolucionarização do Partido, ed. Maria da Fonte, Lisboa, 1977.  
Santos, Andréa Cristiana – Ação entre amigos: história da militância do PCdoB em Salvador (1965-1973), Dissertação de Mestrado de História Social, UFBA. 2004
Santos, Nilton – História da UNE – vol. 1, depoimentos de ex-dirigentes, Ed. Livramento, SP, 1980 
Documento Contribuição ao XXX Congresso da UNE: Combate intransigente a ditadura e ao imperialismo – assinado por Ronald Rocha, João de Paula Monteiro e Nair Kobashi.

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