O relatório Goldstone

Na semana que passou, no dia 16 de outubro, o Conselho dos Direitos Humanos da ONU aprovou, por ampla maioria – com o voto do Brasil – um relatório que condena Israel por crimes de guerra cometidos contra palestinos na Faixa de Gaza. Parece que o mundo desabou. Em cima dos palestinos. Protestos de Israel e a mídia saem em sua defesa. É assunto vital que comentamos esta semana.

Richard Goldstone, judeu e relator da ONU contra Israel
Um histórico da questão
Esse assunto foi central nos noticiários nos dias que se sucederam à decisão. Os tais analistas saem a campo – quase que invariavelmente em socorro de Israel – e não tem como essa pauta não ocupar o espaço da minha coluna esta semana.
 
(foto: Richard Goldstone
judeu e relator da ONU
contra Israel)

Entre os dias 27 de dezembro de 2008 e 20 de janeiro de 2009, Israel bombardeou sem cessar, a Faixa de Gaza. Dizia que era o seu “legítimo direito à autodefesa” (sic). Matou 1.400 palestinos, dos quais em torno de 500 crianças. Foram quase 60 assassinatos por dia. Nesse período, entre os mortos por “fogo amigo” israelense, mortos em acidentes e mortos pelos foguetes do Hamas (a que chamei de “fogos caramuru”, por não terem efeito quase nenhum, além de aterrorizar pessoas), os israelenses contabilizaram 13 mortos. Se formos ver essa macabra estatística, para cada um israelense que morre, matam-se 108 palestinos!

A ONU e seus enviados já vinham dando diversos sinais de que Israel havia incorrido, provavelmente, em crimes de guerra, contra a humanidade. A reação foi completamente desproporcional aos ataques com os obsoletos foguetes katiucha de fabricação soviética, em desuso em todo o mundo e quase sem poder de fogo real. Tais morteiros não dispõe de força suficiente para atingirem cidades próximas à Faixa de fronteira de Gaza e Israel.

A ONU designou o juiz sul africano Richard Goldstone, de origem judaica, com uma grande equipe, para emitir um relatório. O juiz desenvolveu bem seu trabalho, apesar do completo boicote do governo israelense para que ele pudesse ter acesso a dados e conseguir emitir um relatório consistente. O juiz Goldstone levou sua própria equipe. Entrevistou autoridades, moradores de Gaza e de Israel. Ao final, emitiu um imenso relatório de 575 páginas.

O relatório, ao final, condena duramente Israel por crimes de guerra. Mas, condena o Hamas, ainda que de forma mais branda. Menciona que esse grupo político “aterrorizou” populações vizinhas em Israel com seus morteiros. Recomendou mais averiguações e punições aos responsáveis. Deu um prazo até 15 de abril de 2010 para que sejam apurados esses crimes e punidos seus responsáveis. Após isso, caso ambos os lados se omitam, o juiz sul-africano recomenda de pronto a remessa dos autos e todo o processo não só para o Conselho de Segurança, mas também à Assembleia Geral e ao Tribunal Penal Internacional TPI (da qual, diga-se de passagem, Israel não é membro e não aceita a sua existência).

O Conselho tem 47 membros. A votação final ficou em 25 votos a favor, com 6 votos contrários apenas e 11 abstenções (cinco deixaram de votar e/ou de comparecer, entre elas a França e a Inglaterra, que declararam estar em desacordo com o relatório, mas optaram em não votar). Avalizaram o relatório e deram seu voto favorável, a Rússia, a China, a Índia, África do Sul, Brasil e demais países latino-americanos, à exceção de México e Uruguai que preferiram abster-se. Países árabes e islâmicos votaram em bloco. A Europa, para variar, dividiu-se. Itália, Holanda, Hungria, Eslováquia e Ucrânia votaram contra e abstiveram-se Bélgica, Bósnia, Noruega e Eslovênia.

Os desdobramentos disso

Como dialéticos, temos que ver a essência e nunca apenas a aparência. Se há um lugar no mundo, na política, na diplomacia que as coisas nunca são como parecem ser é o Oriente Médio e esse conflito de décadas entre sionistas-colonialistas e palestinos que milenarmente moram naquela região.

Quero aqui apresentar alguns comentários sobre esse episódio. E os enumero abaixo.

1. Acho que só muito remotamente, esse caso chegará ao CS/ONU ou ao seu Tribunal Penal Internacional. A força de Israel, dos sionistas e judeus em geral, sob apoio americano é ainda imensa. Não me iludo com essa possibilidade. Mas, em política, tudo pode acontecer e a correlação de forças pode se alterar;

2. A Europa, mais uma vez, mostrou-se dividida. De um lado, os falcões, os países governados pela direita que beira ao fascismo, sob comando da Itália de Berlusconi. Outra parte, mais sóbria, mas sem coragem para enfrentar os “grandes”, preferiu abster-se;

3. Ainda que o Hamas, que liderou e lidera a resistência anti-sionista, tenha sido mencionada no relatório do juiz sul-africano, a contundência do mesmo se volta de forma inequívoca contra Israel, por ter usado armas extremamente letais e que mataram indiscriminadamente civis e alvos civis, como escolas e hospitais;

4. O Brasil, que vem se se consolidando como um player no cenário político, econômico e na diplomacia, acertou ao votar com o relator e apoiar o relatório, a despeito de uma mídia nativa que odeia o governo Lula e das pressões que sofre cotidianamente, inclusive dentro do governo para que ceda mais ás pressões israelenses;

5. Os Estados Unidos, cujo presidente encantou o mundo e parte da esquerda, mostra a sua cara e a que veio. Tanto o embaixador na ONU, como a chefe de sua diplomacia, Hilary Clinton tudo fizeram para barrar a aprovação do relatório. Fica cada dia mais claro que quem segue mandando e dando as cartas na política externa americana são os judeus sionistas, pelo seu poderoso lobye chamado AIPAC. Vergonhoso os papeis de Hilary e do próprio Obama, recentemente laureado com o Nobel da “Paz”;

6. Por fim, a ANP de Mahmoud Abbas. Este sofreu forte pressão americana e mesmo israelense, quando no final de setembro, pediu o adiamento da votação no Conselho dos Direitos Humanos da ONU do relatório Goldstone. Foi duramente criticado pela esquerda palestina e mesmo no seu grupo o Fatah. Mostra-se um presidente cada dia mais frágil e sem legitimidade, pois seu mandato esta vencido. O argumento é o mesmo dos estadunidenses, qual seja, que esse relatório poderia tirar Israel da mesma de negociações de paz (onde na verdade nunca esteve);

7. O governo de Netanyahu, mesmo tendo sido duramente atingido, poderá usar o referido relatório para recuar em qualquer possibilidade de negociação de paz. Na verdade, não estava negociando nada e não estava recuando com relação ás construção de novos assentamentos em territórios palestinos. Na verdade, com apoio americano, esse relatório em nada abala o governo fascista de Benjamin Netanyahu.

Vamos seguir monitorando essa região e esse conflito.

Nota

Na semana que vem, seguramente, trataremos do Iraque e suas próximas eleições parlamentares. Até lá.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor