O testamento de Ehud Olmert

O brilhante escritor israelense Uri Avnery, autor de muitos livros consagrados da literatura mundial é também um grande articulista e colabora com grandes jornais de Israel.

Eu, sempre que posso os leio. O título cima da coluna vem de um artigo que li esta semana e queria não só compartilhá-lo com meus leitores desta coluna semana, como comentá-lo em alguns aspectos que achei interessante (1)..


 


 


Uri Avnery


 


 


O nome de Avnery esta indissoluvelmente ligado ao movimento pacifista em Israel, particularmente o movimento chamado “Paz Agora”. Não que eu assine em baixo de todos os posicionamentos desse grupo político de Israel, mas em alguns momentos na história desse país eles jogaram destacado papel. Avnery é renomado escritor e jornalista. Há duas semanas li outro artigo de sua autoria, onde condenava um ataque fascista feito contra a sala de trabalho de outro professor pacifista de Israel. Avnery alerta inclusive para os riscos de uma “fascistização” de Israel.


 


 


O que me chama atenção, esta semana foi a entrevista dada pelo primeiro Ministro demissionário de Israel – Ehud Olmert – que aguarda que Tzipi Livni consiga formar o novo governo, da ao jornal Yediot Ahronot, talvez o maior jornal de Israel, uma espécie de “Folha de São Paulo” de lá. A entrevista foi dada ás vésperas do ano novo judaico, que, na segunda-feira passada, dia 6 de outubro, entrou no ano de 5679 (esse é o ano que os rabinos ortodoxo atestam, com precisão, dizem eles, do tempo que faz que Deus criou a terra, as pessoas e tudo o mais, talvez até o universo inteiro…).


 


 


Avnery vai tecer diversos comentários, mas antes disso, queria compartilhar com nossos leitores um pequeno resumo do que disse Olmert nessa entrevista:


 


 


• “Temos de chegar a um acordo com os palestinos. A essência desse acordo é que realmente temos de nos retirar de quase todos, se não de todos, os territórios ocupados. Devemos conservar em nossas mãos uma porcentagem desses territórios, mas somos obrigados a dar aos palestinos uma porcentagem similar, porque, sem isso, não haverá paz.”


 


 


• “Inclusive Jerusalém. Com soluções especiais, que já visualizo, para o Monte do Templo e os locais sagrados históricos (.) Quem pensar em conservar todo o território, que pense em manter 270 mil árabes contidos por trás de muros, dentro de um Israel soberano. Não funcionará.”


 


 


• “Fui o primeiro a querer impor a soberania de Israel sobre toda Jerusalém. Admito. Não estava preparado para considerar todas as profundas complexidades da realidade.”


 


 


• “Quanto à Síria, precisamos, antes de tudo, de uma decisão. Duvido que haja sequer um israelense sério que creia que seria possível fazer a paz com a Síria, sem, no final, devolver as colinas de Golã.”


 


 


• “O objetivo é traçar, pela primeira vez, uma fronteira precisa entre Israel e Palestina, uma fronteira que todo o mundo [reconhecerá].”


 


 


• “Assumamos que nos dois próximos anos eclodirá uma guerra regional e haverá confronto direto com a Síria. Não há dúvida de que teremos de nos bater “coxa contra coxa” [alusão a Juízes 15:8, que prossegue: “e haverá grande matança”.] (.) [Mas] o que acontecerá, quando vencermos? (.) Por que ir à guerra com os sírios, para obter o que podemos obter sem pagar tão alto preço?”


 


 


• “Qual foi a grandeza de Menachem Begin? [Ele] mandou Dayan encontrar-se com Tohami [emissário de Sadat] no Marrocos, antes mesmo de ele próprio encontrar-se com Sadat (.) e Dayan disse a Tohami, em nome de Begin, que estávamos dispostos a nos retirar de todo o Sinai.”


 


 


 


• “Ariel Sharon, Bibi Netanyahu, Ehud Barak e Rabin, bendita seja sua memória (.), cada um deles deu um passo para nos guiar na direção certa, mas em algum ponto do tempo, em alguma encruzilhada, quando precisaríamos de uma decisão, a decisão não foi tomada.”


 


 


• “Há alguns dias, participei de uma discussão com os principais cabeças do processo de tomada de decisão. Ao final [disse a eles]: ouvindo-os falar, entendi por que não fizemos a paz com os palestinos e os sírios durante os últimos 40 anos.”


 


 


• “Podemos, parece-me, dar um passo histórico nas relações entre Israel e Palestina, e um passo histórico nas relações entre Israel e Síria. Nos dois casos, temos de tomar a decisão que nos recusamos a encarar, olhos bem abertos, durante 40 anos.”


 


 


• “Quando você senta-se em sua poltrona, deve perguntar-se: para onde aponto o meu esforço? Para construir a paz ou para ser cada vez mais forte, mais forte, mais forte, para vencer a guerra? (.) Nosso poder é imenso, suficiente para enfrentar qualquer perigo. Agora, é chegada a hora de buscar meios para usar essa infra-estrutura de poder na direção de construir a paz, não de vencer guerras.”


 


 


• “O Iran é um imenso poder (.). Pretender que EUA e Rússia e China e Inglaterra não sabem como lidar com os iranianos, e que os israelenses saberiam, e que essa seria tarefa de Israel é exemplo de perda completa do senso de proporção.”


 


 


• “Li as declarações dos ex-generais israelenses e disse: como é possível que nada tenham aprendido e nada tenham esquecido?”


 


 


Autocrítica pública


 


 


O mais interessante nessas várias passagens, selecionadas por Avnery, é exatamente o que ele chama de “testamento político” de Olmert e eu prefiro chamar de verdadeira autocrítica pública. Nunca talvez na história israelense, um político da magnitude de um primeiro Ministro – é bem verdade que demissionário – havia feito uma contende confissão de erros a um dos maiores – se não o maior – jornal de Israel.


 


 


É a admissão pública de 40 anos de erros. Ele mesmo que autorizou a construção de algumas colônias e assentamentos judaicos em sua gestão, que seguiu a de Ariel Sharon (que ainda encontra-se em coma), agora vem dizer que é fundamental desmantelar todas essas colônias de uma só vez. Ou seja, o que os palestinos vêm dizendo há anos, que não haverá paz sem a concessão e devolução das terras, é a verdade histórica e é a proposta mais justa para se viabilizar a tão sonhada paz.


 


 


Olmert toca em questões candentes. Temos comentado sobre isso neste espaço. Há algumas linhas que os palestinos nunca poderiam cruzar e fazer concessões. Uma delas é a cidade de Jerusalém. Outra delas diz respeito às fronteiras de 1967, ou seja, a devolução de toda a Cisjordânia. E a última, é a volta dos refugiados e a libertação dos prisioneiros. Olmert consegue tocar em todos esses assuntos, de forma quase que declarada na linha defendida pelos palestinos.


 


 


Ocorre que ele é um ministro já sem força. Esta sendo acusado de corrupção, suborno, caixa dois eleitoral (dinheiro de campanha não contabilizado), entre outros problemas. Mas, tirando tudo isso, ficando na essência de suas propostas, de sua análise, de sua autocrítica pública, ele na verdade reforça o campo dos que defendem a paz, Just e verdadeira, com a devolução de toda a Cisjordânia. Claro que Avnery meio que debocha, em seu artigo, de Olmert. Como quem diz que só agora que Olmert percebeu o que todos, especialmente o próprio Avnery, há falavam desde 1967. Mas, de minha parte, acho que antes agora tão tarde, do que continuar insistindo em erros que o governo israelense vem cometendo, inclusive o próprio Olmert, em seus 2,5 anos de governo.


 


 


Precisamos da paz na Palestina, os palestinos precisam de seu Estado nacional, com Jerusalém como sua capital. Creio nisso, defendo isso, apoio essas idéias e estou com os palestinos. Por isso, a entrevista do ainda primeiro Ministro, ajuda e fortalece esse campo.



 


 


(1) “Summing up”, 4/10/2008, em Gush Shalom [Grupo da Paz], na internet, em http://zope.gush-shalom.org/index_en.html.

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