“O Vencedor”: Glória e Lucros

Filme do diretor estadunidense David O.Russel discute dilemas familiares e as engrenagens do mundo do boxe

               Como nos westerns, nos quais o duelo pontua o the end, nos filmes sobre boxe, ou se preferir, sobre boxeadores, é inevitável a sequência do confronto-limite. Pode-se tomar esta inevitabilidade como clichê ou uma estrutura do enredo que desemboca no ajuste de contas, com a vitória do mocinho, e, no boxefilme, com o erguer do braço do vencedor. Em “O Vencedor”, o diretor estadunidense David O. Russel procura escapar a esta imposição, centrando o filme na família, nas buscas do perdedor e do triunfante. Porém, mantém os códigos do gênero, com eletrizantes sequências de luta.

              Na verdade o que conta em “O Vencedor” são os fios da trama, que se articulam à medida que ela avança. Existem os espaços da matriarca Alice Ward (Melissa Leo), os da mídia (HBO e outras) e os da organização esportiva (treinador, agente, patrocinador), e, acima deles, o do modus operandi capitalista que dita o sucesso e o poder do negócio. É este, enfim, que norteia os sonhos de ascensão, riqueza e fama, mostrando as diferenças fundamentais entre “o perdedor”, Dicky Eklund (Christian Bale), e “o vencedor” Micky Ward (Mark Wahlberg).

            É neste contexto que O. Russel filtra a história biográfica do ex-campeão peso leve, Micky Ward, e de seu meio-irmão Dicky Eklund. O boxe aqui, menos pelo esporte em si, ilustra, mais uma vez, o sonho estadunidense de glória e redenção. Mais uma vertente, portanto, de milhares de enredos hollywoodianos, numa época em que a busca de saída para a crise político-social e, sobretudo, econômica, impõe, mais uma vez, a necessidade de triunfo dos marginalizados.

         A ilustrar isto, estão as condições de vida de Micky e Dicky, trabalhadores no recapeamento asfáltico das ruas da pequena Lovell, Massachusetts, e sua falta de perspectiva de ascensão social. Tanto que o maior sonho de Micky é dar um presente digno à filha pequena. Então, a luta que travam ele e o meio-irmão é para retirar do talento de um e outro o que a vida cotidiana lhes nega. Dicky por ter sido bom boxeador, sem ter aproveitado as chances que lhe apareceram e ter mergulhado nas drogas, Micky por não ter outra saída.

          Difícil saída para
          Micky e Dicky
A questão é que ambos, em vez de buscar estruturas profissionais, se submetem aos ditames da mãe, Alice Ward. Sem traquejo, ela se multiplica em empresária e marqueteira do filho, deixando para Dicky as funções de treinador. Num meio em que as rasteiras são comuns, sua atuação beira o ridículo. Ela o faz mergulhar em sucessivos fracassos, que, em certas sequências, remetem o filme ao martírio dos boxeadores de “Cidade das Ilusões”. Neste, John Huston deixa de lado os triunfos para tratar dos perdedores, daqueles que sobrevivem do ringe, tendo como função apanhar. É o que Alice faz com o filho, obrigando-o a lutar por míseros dólares.

               O. Russel e os roteiristas Scott Silver, Paul Tamasy e Eric Johnson tornam “O Vencedor” uma obra sobre a derrocada da figura matriarcal. Na tentativa de proteger sua cria, ela o leva ao fracasso.  Dessa queda, emerge a figura paterna de George Ward (Jack MC Gee) e a racionalidade da garçonete e ex-universitária Charlene Fleming (Amy Adams), namorada de Micky. São eles, enfim, que irão equacionar a vida dele, enquanto Dicky vive seu inferno astral. E a racionalidade de Charlene controla a emocionalidade de Alice.

              Visto desta forma, parece que “O Vencedor” é um filme cerebral, nada disso, é uma obra simples. Popular, sem ranço, feita para platéias amantes do boxe e do bom cinema. Ainda que o boxe esteja hoje patinando, sem estrelas. A última foi Mike Tyson. O que o sustenta, além de uma história bem encenada, são o carisma e a flexibilidade de Bale. Está sempre ligadão, pronto a voar. Mas tem instantes de reflexão, quando no meio da exibição do documentário da HBO sobre sua ascensão e queda, decide se redimir.

               É a partir desta sequência que o familiar e o profissional se fundem para orientar a carreira de Micky Ward. O.Russel a pontua na orquestrada sequencia da briga entre a razão e a emoção: a surra que Charlene dá nas irmãs de Micky e o reconhecimento de Alice, de que terá de dividir o espaço com ela, Charlene. Daí pra frente, o filme volta ao puro boxe, não ao ritualístico de Martin Scorsese em “Touro Indomável”, tampouco ao do truculento Rocky Balboa de John G.Avildsen em “Rocky, Um Lutador”.

            Embora, tenha muito de ambos, representa a reconciliação familiar e a vitória da estrutura do boxe, a realização do sonho de Micky Ward e a redenção de Dicky. Tudo ali é preciso, montado para triunfar, o que significa hoje a organização da carreira, do marketing, da geração de riqueza. Isto nos anos 80, quando o boxe, com Don King,  estava no auge da geração de lucros. E também foi o início de sua derrocada. Trata-se de um subtexto que “O Vencedor” trás, que não é nada desprezível. Não é, portanto, um filme sobre o sucesso, mas como ele é estruturado para render bons lucros e levar o boxeador à fama.

O Vencedor”. (“The Fighter”). Drama. EUA. 2010. 114 minutos. Roteiro: Scott Silver, Paul Tamasy e Eric Johnson. Fotografia: Hoyte Van Hoytema. Direção: David O.Russel. Elenco: Mark Wahlberg, Christian Bale, Amy Adams, Melissa Leo.

*Candidato ao Oscar 2011: filme, diretor, ator e atriz coadjuvante (Adams/Leo), roteiro original, edição.

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