Obamania & auto-estima de rock star

''Sei como é ouvir gente dizer que não posso fazer algo por causa da minha cor, e conheço o gosto amargo da raiva ao engoli-la a seco''

Uma das pessoas com quem mais gosto de conversar sobre política está auto-interditada para conversas sonhadoras e eufóricas sobre obamania. Até que o Partido Democrata defina sua candidatura, ou até os resultados das eleições nos Estados Unidos, se Obama for ungido para concorrer à Casa Branca. No começo queria entender porque muitas lideranças negras históricas dos EUA estavam expectantes e falavam que Obama manteria a raça fora da ''parada''. São águas passadas. O andar da carruagem trouxe o tema racial pro olho do furacão eleitoral.


 


 


Ela hoje até vibra, cautelosamente, por ele. Todavia, pratica a filosofia de que ''gato escaldado tem medo de água fria''. É incansável em dizer: ''É muito azar se ele ganhar! Logo agora que os EUA estão nas soleiras da recessão. O bom seria deixar os Clintons consertarem o melê que também ajudaram a fazer. Hillary deve amassar o lamaçal e tirar o país dele. Depois, seria a vez dele… O melhor seria Obama 2012''. Não adianta eu aventar e reafirmar que fazemos política segundo as circunstâncias…


 


 


Eu disse, em ''Obrigado, Iowa'', que ''o Partido Democrata brilha com duas candidaturas alvissareiras: Obama e Hillary. Muita água pesada vai rolar até novembro. Obama é negro senhor de si (um abuso afro!), com senso de humor, performance de rock star e história de vida fiel aos valores liberais. É o único que arranha o establishment democrata e republicano e abala o status quo racista dos EUA profundo. Dele se espera, a qualquer momento, que diga: 'I have a dream' (eu tenho um sonho), como Martin Luther King. Pode virar realidade'' (O TEMPO, 8.1).


 


 


Em ''A Audácia da Esperança'' (Larousse), Obama destaca: ''Sou capaz de relatar a ladainha usual de pequenos insultos que me foram direcionados ao longo de meus 45 anos: seguranças me seguindo quando entro em lojas de departamento, casais brancos jogam a chave de seus carros quando estou parado fora do restaurante esperando pelo valete, carros de polícia me param sem uma razão aparente. Sei como é ouvir gente dizer que não posso fazer algo por causa da minha cor, e conheço o gosto amargo da raiva ao engoli-la a seco''.


 


 


Lucas Mendes, em ''Vitória sem raça – Raça. Não toque neste assunto!'' (BBC, 14.2), disse ''que os americanos estão prontos para um candidato negro, um progresso invejável e extraordinário nos últimos 60 anos''. E pontuou numa reunião de assessores e amigos de Obama, em novembro de 2006, sobre a candidatura dele à Casa Branca: ''a questão racial foi levantada e eliminada da pauta''. Um advogado indagou: ''como lidar com a questão racial?'' Obama teria dito que se elegera senador com votos de brancos e negros sem nunca levantar a questão racial. Assunto encerrado em menos de cinco minutos. Ficou sob o tapete até o debate em Las Vegas, no qual Hillary acusou Obama, que acusou Hillary, de ''injetar raça na campanha''. Depois Hillary (ato falho?) pôs gasolina no fogo ao dizer que, sem o presidente Johnson (Ato dos Direitos Civis, 1964), o sonho de King teria ido pro ralo! Desdisse. Mas Clinton trouxe a lenha, comparando a campanha de Obama à de Jesse Jackson e vaticinou que Hillary perderia na Carolina do Sul por causa do voto negro e da mídia, motivando o senador Edward e Caroline Kennedy a declararem apoio a Obama.


 


 


Plantada e regada pelos Clintons, ''raça'' chegou e ficou, pois Obama não nega fogo quando instigado. É ''bateu, levou''. No ato. Há quem diga que o debate racial pode fraturar ou ferir de morte o Partido Democrata nas eleições de 2008. ''Pra frente é que se anda.'' Diariamente, ausculto o ritmo das eleições. Digo: minha auto-estima se avoluma e cresce. Obama se firma como símbolo negro singular da determinação de luta pelo poder.


 


Texto publicado em http://www.otempo.com.br/otempo/noticias/?IdNoticia=70371

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