Omar Souto: anjo ressurecto

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Depois de dez anos de introspectivo recato e sofridas travessias, Omar Souto reabre os balcões de sua alma. São trinta quadros de tamanhos diversos, na técnica óleo sobre tela, que já o consagrou como lírico retratista da terra. Omar é fiel à leitura de raízes e familiaridades. Queimadas, retirantes, operários, prostitutas, ex-votos e cenas da religiosidade popular continuam a compor o cenário e os personagens exumadas por seu pincel. No estilo enérgico e ao mesmo tempo delicadamente esfumado, o pintor retira de algum estofo de matéria e sensibilidades as representações com que decifra e explica o mundo. Aproxima vultos humanos contra espaços insinuados, caminhos e horizontes. Detém-se no esboço simbólico mais do que no naturalismo das descrições. O ex-voto que denuncia o romeiro, a mala tosca que sugere estradas, as trouxas que coroam cabeças no grupo retirante, as cores e o gestual da mulher da vida e assim por diante. Seu discurso pictórico enriquece-se a cada novo gesto de construção, agrega significados cada vez mais surpreendentes nos deslizamentos que sempre dizem mais depois da primeira olhada. A obra de Omar demanda uma leitura paciente, integradora. Sua fala não se dá em um mundo à parte, é uma exsudação dos seres e das coisas. É como se o pintor recortasse do mundo dos fenômenos e de seu imaginário as líricas estampas. Recorta do sertão-cerrado a paisagem. Recorta do cerrado-memória tempos que evocam tempos, lembranças que chamam lembranças. Além da escritura circundante das telas chama atenção original as expressões, os imensos olhos das personagens femininas, a tensão ou candura que recolhe de rostos que a vida marcou com seu estigma, ou alcandorou com precários signos de euforia e beleza. Neste seu momento plástico Omar Souto clama pela permanente inocência de todas as coisas. A inocência ínsita em tudo que não foi tocado pelo juízo humano e a inocência que sobrevive sobre a escara da insídia humana. A arte salva do homem o que o próprio homem destrói. Compareceram à abertura da exposição muitos amigos de Omar, artistas, escritores e jornalistas. Sob a sábia coordenação do professor Jadir Pessoa, a Folia de Reis de Itapuranga entoou cânticos de devoção e homenagem. Um encontro entre a pia sensibilidade povo e a devoção do artista. Possível encruzilhada do místico e do profano, onde se esgarçam as fronteiras do humano. Devo finalizar com loas ao presidente do Tribunal de Justiça, Paulo Teles, por ter aberto as portas do edifício do TJGO a esta exposição e entregue o trabalho de organização e acolhida ao poeta Gabriel Nascente. Uma nota cinza que Omar não pintou. Ali, no hall do Tribunal de Justiça, pasmem, não divisei um sequer dos membros do Judiciário. Nenhum juiz. Nem mesmo aqueles que prezam as artes ou as letras. A solene ausência dos magistrados certamente tem um significado que a sociedade pode ler e entender. As loas continuam para a arte. Porque todos passaremos. Só a arte pode redimir homens e dar permanência a pobres seres e coisas mortais.

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