Os pés de café de Itamar e a manchete da Folha

A manchete do jornal Folha de S. Paulo do domingo (9) —''Funcionalismo custa mais que dívida'' — é mais uma prova de cinismo, desfaçatez e torpeza (desculpem a redundância com o excesso de adjetivos, mas neste caso vale o exagero) da mídia e em particular

No início de 1993, o ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, Eliseu Rezende, apresentou ao então presidente da República uma lista de empresas estatais que ele considerava passíveis de ser privatizadas com o objetivo de arrecadar US$ 30 bilhões para liquidar a parcela mais cara da dívida mobiliária. Formada por papéis do governo, ela correspondia, na época, a US$ 37 bilhões. Hoje, passa de R$ 1 trilhão.


 


 


Quando se falavam por telefone, Itamar Franco e Eliseu Resende usavam uma linguagem cifrada. Cada US$ 1 bilhão da dívida interna equivalia a 1 pé de café. ''Vamos arrecadar 6 pés de café com a privatização da Vale'', disse Rezende. O presidente respondeu: ''Cuidado que o espírito do Severo Gomes vai lhe puxar os pés esta noite''. Era uma referência ao falecido senador por São Paulo e um dos porta-vozes do nacionalismo brasileiro.


 


 


Por expor opinião como essa, Itamar Franco foi tratado pelos donos do poder como um paspalhão. Na Presidência da República, ele sofreu um golpe branco — sob pressão, seu governo acabou assumindo o programa de governo do ex-presidente Fernando Collor, o que resultou no Plano Real e na nefasta ''era FHC''.


 


 


Pirraça e desprezo


 


Desde então, a ''grande imprensa'' só fez esconder informação, não dando a idéia do que estava acontecendo e transformando o que existe de pior para o país — a política macroeconômica e sua fabulosa dívida — em um mundo róseo. Nas contas otimistas do próprio presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, mantido o atual superávit primário em 2010 a dívida líquida pública finalmente voltará a representar ''apenas'' 40% do PIB, como ocorria antes dos anos 90.


 


 


O desastre é evidente. Mas a Folha, com sua manchete torpe, tenta mostrar que há algo pior: o funcionalismo. É o caso de relembrar a velha piada: ''Deus sabe tudo, mas a mídia crê que sabe ainda mais.'' Tal atitude reflete bem a conduta moral das famílias que controlam a mídia brasileira. Temos, pois, no desprezo da Folha pela ética uma definição da ojeriza da mídia ao debate democrático.


 


 


Essa pirraça e esse desprezo pelos fatos não são imotivados. Não se admira que nessa cruzada conservadora, a mídia, pressupondo haver esgotado a sabedoria humana, tenha perdido o pé na realidade, o apoio no chão firme, e por isso não recebe as vibrações da terra. Imagina-se também uma divindade e confere a si mesma o título e as credenciais de senhora suprema do bem e do mal, do que convém ou não ao país. O nome dessas trovoadas já existe, sem concurso do ministro da Cultura: é terrorismo midiático.


 


 


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