Oscarito, um símbolo

O texto reflete sobre o Cinema Novo brasileiro e sua relação com a chanchada, buscando elementos populares sem perder a intelectualização.

O ator Oscarito, uma das estrelas das chanchadas brasileiras, fez mais de 40 filmes | Foto: Acervo UH/Folhapress

É claro que o novo cinema brasileiro, em 1953 mais ou menos, somente poderia se afirmar tomando uma posição contrária à chanchada; ela estava no auge, e representava – na época – a pior forma de cultura. E foi isso que fizeram os fundadores do Cinema Novo, de tal forma que um dos integrantes desse movimento não poderia, sob pena de “condenação”, fazer qualquer coisa parecida com chanchada.

Passada a fase, porém, de “afirmação” cultural, o Cinema Novo notou que havia matado a “galinha dos ovos de ouro”: a chanchada era, sem dúvida, o elemento de ligação entre os realizadores e o público. Este, que dava uma margem excepcional de vantagem para o cinema brasileiro, na estatística da bilheteria, havia, simplesmente, deixado de ir ver o novo cinema.

Antes, o povo – a grande maioria inclusive analfabeta – adorava o filme nacional, porque ele era fácil de ser entendido, a partir de não ter legendas para serem lidas; mas com o Cinema Novo o filme “complicou-se”, passou a ser intelectualizado.

Mais ou menos de 1968 para cá, os cineastas brasileiros estão num processo de revisão do Cinema Novo, e se não querem voltar à chanchada, querem, no entanto, apanhar dela os elementos que a faziam querida pelo grande público espectador. Isso, de uma certa forma, já está sendo conseguido.

Há dois dias fez um ano da morte de Oscarito, o grande comediante brasileiro, símbolo da chanchada. Infelizmente, o Cinema Novo não teve condições para reabilitar Oscarito, em tempo; mas historicamente ele já está mais do que reabilitado, e ficará, com certeza, como um marco do nosso cinema.

Para relembrar, fazendo homenagem, o grande ator Oscarito, nada melhor do que assistir a esse filme brasileiro, comédia no melhor sentido cultural, e que faz as pazes com o nosso público, “O Donzelo”. Migliaccio é uma espécie de Oscarito, consciente, inclusive aparece com Grande Otelo nesse filme atual.

(Jornal do Commercio, Recife, 07.08.1971)

Trecho copiado do livro “Obra Jornalística de Celso Marconi – Cinema Brasileiro, Volume I”

Meu tio da América

Eu já vi esse filme “Mon oncle d’Amérique” de Alain Resnais várias vezes. E sempre me sinto um tanto estranho para entendê-lo. Penso que dessa vez me aproximei mais. Pude revê-lo no programa Cinema em casa do Sesc.

O cineasta Alain Resnais é um dos mais importantes do cinema francês da segunda metade do século passado. É considerado como participante do movimento Nouvelle Vague. Embora a Nouvelle Vague tenha muito mais a ver com Godard e Truffaut. No meu modo de ver, Resnais é um cineasta tradicional, porém aberto à renovação. Mas um profissional ainda tradicional. Vanguarda mesmo são figuras como Godard e Truffaut.

O que marca fundamentalmente a produção de Alain Resnais são os dois filmes que ele realizou a partir do escritor Alain Robbe-Grillet, “Hiroshima mon amour” e “L’année dernière à Marienbad”. Tem um curta que também o marca com muita força, “Nuit et Brouillard” (Noite e neblina), que foi inclusive lançado em DVD aqui no Recife, quando Ricardo Carvalho e Ernesto Barros tinham uma gravadora de filmes.

Mas de certa forma pesa sobre a aura de Alain Resnais a ideia de que ele é mais pretensioso do que mesmo complexo. Seu cinema quer aparentar uma profundidade que nem sempre é encontrada. Na minha visão crítica pessoal, continuo a pensar que se trata de um cineasta com uma produção de grande valor cultural.

Esse “Meu tio da América” eu sempre pensei nele como uma obra de bom cinema. Um tempo pensei que havia sido inspirado na obra de Franz Kafka, “América”. E provavelmente Resnais pensou em “América” quando imaginou sua obra “Mon oncle d’Amérique”. O roteiro do seu filme foi escrito por Jean Gruault e por Henri Laborit. Este é um cientista e sem dúvida foi o principal inspirador do filme. O que o torna uma obra menos artística e com muita presença de quem quer descobrir caminhos para analisar a maneira melhor do ser humano se relacionar. De uma sequência teatral que criam e é construída no início do filme tenho a impressão de que é uma espécie de trambolho para o espectador. Não é fácil acompanhar tudo aquilo que está sendo dito e que deve ter sido pensado pelo cientista Laborit. Com o desenvolvimento dramático do filme então chegamos mesmo a uma espécie de simples melodrama que acontece entre figuras da burguesia industrial francesa.

A sorte é que Alain Resnais é um cineasta muito competente e se acompanhou de grandes atores como Gérard Depardieu e Nicole Garcia e vários outros, e assim fez com que o filme mantivesse uma bela aparência. Deixando certos caminhos seguidos pelo cientista Laborit de lado.

Olinda, 18.07. 2021

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