Para não dizer que não falei desse ser desprezível

O pensamento de Bolsonaro é apenas a síntese do que existe de mais atrasado, conservador e retrógrado na sociedade brasileira. É resultado de sua formação de vida, da qual Olavo de Carvalho não fez part

Foto: Reprodução

Ao tomar conhecimento da morte de Olavo de Carvalho, fiz até uma brincadeira no Facebook questionando se a cloroquina não havia funcionado, mas não pretendia dar mais atenção do que isso ao fato. No entanto, ao ver artigos, comentários, lives, dando ao sujeito uma dimensão que ele, na minha opinião, não tem, concluí que não poderia deixar de colocar minha opinião sobre essa figura desprezível. Além de desmistificar a dimensão que está sendo dada ao morto, pretendo aqui contestar as duas principais afirmações apontadas: a de que não existiria Bolsonaro sem Olavo de Carvalho e a de que Olavo de Carvalho tenha sido o ideólogo do bolsonarismo.

A existência do bolsonarismo enquanto corrente de pensamento pressuporia a existência de um pensamento idealizado por alguém e verbalizado pelo líder do movimento. Aqui se desmistifica a ideia de que Olavo de Carvalho seja o ideólogo do bolsonarismo. Aquilo que Bolsonaro verbaliza é o mesmo que verbalizava muito antes de saber até mesmo da existência do astrólogo que se intitula filósofo, que posteriormente se tornou tão amigo da família.

O anticomunismo manifestado por Bolsonaro é o anticomunismo que ele aprendeu na Aman – Academia Militar das Agulhas Negras, sob o comando da turma do general Silvio Frota. Talvez um pouco mais raivoso, mas o mesmo discurso reacionário de Villas Bôas, Braga Neto, Ramos e até mesmo Santos Cruz, este último hoje alinhado a Moro. A pregação moralista é a mesma dos pastores evangélicos e do clero mais conservador da igreja católica e já estava na boca de Bolsonaro muito antes de ter escutado pela primeira vez o nome de Olavo de Carvalho. Também o discurso de que bandido bom é bandido morto, ao gosto dos aparatos de segurança, já era o principal mote de campanha do então tenente escorraçado do exército quando foi candidato a vereador em 1990. Os ataques ao meio-ambiente já estavam nos seus pronunciamentos na Câmara nos primeiros mandatos.

Ou seja, não há uma única ideia na cabeça de Bolsonaro que tenha sido inspirada no charlatão da Virgínia. O pensamento de Bolsonaro é apenas a síntese do que existe de mais atrasado, conservador e retrógrado na sociedade brasileira. É resultado de sua formação de vida, da qual Olavo de Carvalho não fez parte.

A afirmação de que Bolsonaro não existiria sem Olavo de Carvalho também não se sustenta. O Bolsonaro presidente é fruto das condições que se criaram a partir das manifestações de 2013, desembocando nas manifestações pró-impeachment que colocaram na rua todas as correntes de pensamento de direita. Mais do que quaisquer outras organizações sociais, para a criação deste clima, jogaram papeis fundamentais a Operação Lava Jato e a Rede Globo e, certamente, os órgãos de inteligência americana, especializados em promover guerras híbridas. Jogaram papel destacado também outras organizações sociais como associações industriais e comerciais, sindicatos patronais urbanos e rurais, igrejas evangélicas neopentecostais, cooperativas agrícolas, sindicatos de caminhoneiros, entre outras. Olavo de Carvalho, com seu cursinho mequetrefe, não teve participação alguma na construção destas condições objetivas.

Jair Bolsonaro em campanha para das eleições presidenciais de 2018 I Foto: Reprodução

Também não se pode dizer que a eleição de Bolsonaro tenha sido resultado exclusivamente das condições objetivas que se formaram. Obviamente, houve um elemento consciente que articulou a construção da candidatura e da vitória. Porém, se alguém está procurando um mentor do projeto Bolsonaro presidente, não vai encontrá-lo nos Estados Unidos e sim na caserna. Talvez não seja o único, mas o principal idealizador deste projeto se chama general Villas Bôas e se existe uma organização por trás deste projeto, ela se chama Exército. Olavo de Carvalho, no máximo, publicou algumas manifestações de apoio nas redes sociais. Não teve absolutamente participação nenhuma, nem na idealização e nem na execução desse projeto.

Portanto, com ou sem Olavo de Carvalho, Bolsonaro seria Bolsonaro e teria sido eleito presidente. O papel do charlatão da Virgínia neste processo, se houve, foi irrisório. O que importa compreender é como Olavo de Carvalho conseguiu fazer com que todos acreditassem que foi ele o ideólogo de todo este turbilhão direitista e que foi ele o responsável pela eleição de Bolsonaro.

Quando o nome de Olavo de Carvalho começou a ganhar evidência pós eleição de Bolsonaro, procurei me inteirar de quem era o sujeito, pois para mim era um absoluto desconhecido. Descobri que era autor de alguns livros, havia sido colunista em alguns jornais, mantinha um curso de “filosofia” online, se utilizava das redes sociais, tinha sido astrólogo, convertido ao islamismo por um tempo e, segundo ele próprio, até filiado ao Partido Comunista havia sido. Li então dois artigos dele, consegui trechos de umas 3 ou 4 aulas do curso de filosofia, assisti uns 10 vídeos publicados nas redes sociais e acompanhei por um tempo suas postagens. Isto para mim foi o suficiente para entender de quem se tratava e de que não valia a pena perder meu tempo lendo seus livros.

O que de fato é relevante em seu currículo, é ter sobrevivido boa parte de sua vida como astrólogo. Durante um tempo escreveu horóscopo para grandes jornais e muito provavelmente fazia mapas astrais para a elite paulistana. Pode parecer absurdo, mas não são poucos os empresários que se orientam por astrologia e outras crendices para conduzirem seus negócios e até mesmo a vida. Esta relação muito provavelmente lhe possibilitou começar a transitar nos círculos da alta sociedade, ganhou influência para começar a publicar artigos em alguns jornais e não é de se duvidar que passou a sobreviver de benesses patrocinadas por essas elites. Ao que se sabe, a sua mudança de São Paulo para Curitiba e a sobrevivência dele por alguns anos na capital paranaense foi bancada por um grande empresário, que também bancou a mudança dele para os Estados Unidos.

A sua mudança para os Estados Unidos provavelmente, devido à distância, o fez perder influência sobre seus até então clientes de astrologia e até mesmo as colunas que tinha em alguns jornais não se sustentaram. Como alternativa, passou a oferecer cursos de filosofia e a se utilizar da mídia eletrônica para arregimentar alunos. Segundo depoimentos de alguns ex-alunos, tais cursos nunca tiveram grande público e boa parte dos alunos acabavam não pagando ou abandonavam os estudos pela metade. Obviamente procurava recrutar alunos absolutamente ignorantes, de forma que o conteúdo não fosse questionado. Em seus vídeos defendia o geocentrismo, existência de petróleo em planetas a milhares de ano luz da terra, terraplanismo, conspirações satânicas, pois era exatamente o público que se interessa por esses assuntos que queria para seu curso.

Mas aqui é que vamos entender exatamente o perfil deste personagem chamado Olavo de Carvalho e a importância da astrologia na sua formação. Ele é um verdadeiro mestre na manipulação das palavras, de forma a conduzir o ouvinte a acreditar no que ele está falando. A mesma técnica utilizada por charlatões que leem a sorte e vão conduzindo o cliente acreditar que o vidente está vislumbrando o seu passado ou seu futuro, e também é utilizada por alguns pastores charlatões para fazer seus fiéis acreditarem que estão fazendo milagres. A história de que foi filiado a partido comunista, por exemplo, é ridícula. Nunca esteve nem perto de uma organização marxista, mas esta afirmação é necessária para fazer seu público reacionário acreditar que ele conhece profundamente o comunismo e tem autoridade para criticá-lo.

Outra técnica utilizada por ele é fazer citações para parecer que é ilustrado, que leu todos os autores importantes da civilização. Para quem conhece alguns autores citados por ele, rapidamente identifica que fez uma mera coleta de trechos das obras ou no máximo fez uma leitura superficial. Mas isso pouco importa para ele, pois certamente seus alunos jamais irão ler O Capital, por exemplo, e descobrir que Olavo de Carvalho jamais leu Marx. Outra técnica é a de citar autores absolutamente desconhecidos e irrelevantes, que ninguém vai procurar, ou até mesmo autores inventados por ele.

Mas, além de um manipulador de mentes fracas, Olavo de Carvalho era também um grande oportunista. Era o tipo de charlatão esperto que sabe aproveitar uma oportunidade. Quem de nós teria a capacidade de convencer um empresário a bancar uma mudança nossa para os Estados Unidos? O fato é que o impulsionamento do movimento direitista e sua canalização para a candidatura de Bolsonaro se apresentou como uma oportunidade. Quando a vitória começou a se esboçar, o astrólogo tratou de se aproximar dos filhos do Capitão e de empresários tipo Hang para ganhar influência no novo governo. Para isto, contou também com o apoio de movimentos como o MBL e alguns abobalhados tipo Lobão, Frota, Joice Hasselman e Carla Zambelli. Não fez muito além de lançar nas redes sociais algumas manifestações de apoio durante a campanha, mas conseguiu fazer todos acreditarem que foi o grande responsável pela vitória de Bolsonaro, incluindo o próprio. Ou seja, apenas mais uma charlatanice que deu certo.

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