Partido

Nesses tempos de redes sociais polvilhadas de fotografias, vídeos e textos curtos, instantâneos quase nus, a exibir abertamente o que pensa seu autor, ter posição não me parece mais motivo para timidez. A timidez deve ser deixada para nossas anotações em papel e muito pessoais. Eu, a exemplo, tenho lá meus gloriosos cadernos de papel, legítimos amigões para toda hora, e abertos, sempre, a meus desatinos e demais imposturas da língua. Algo que pratico muitas vezes deitado e quase no escuro total.

Caneta à mão e tinta sobre papel pautado, sim, pautado, minha motricidade prescinde da folha totalmente branca para pedir por linhas, margens, traços e riscos, que limitem meus gestos no comando de uma esferográfica. Gestos, por alguma imperfeição genética, que nem sempre respondem ao meu cérebro no rabiscar palavras descomprometidas. Falo difícil? O leitor perdoe, mas não encontro outro caminho para falar desses cadernos e sua importância, iniciados em meus nem tão distantes dezesseis anos e alguns adolescentes meses.

Ao todo, hoje, há quinze cadernos. Todos com textos não muito longos, duas, três páginas, se tanto, pretensos poemas, exercícios, anotações das mais diversas e que, quase cronologicamente, se apresentam na medida em que vão sendo escritos (ao que chamam, com propriedade, escrita automática, embora prefira chamar simplesmente por "rascunho"). Quem sabe sirvam para algum tipo de pesquisa sobre processos de escrita de um escritor, ou de quem se descobriu escritor desde cedo sem haver muito publicado. Honestamente, creio que servirão para compreender meus desníveis e desproporções mentais, do que para qualquer exótica investigação literária.

Bom, nesses cadernos, embora haja razoável ficção e variadas expressões poéticas, há bom volume em anotações, sobretudo política e história, além de frases e páragrafos de outros autores que considero importantes. E foi em suas pautas que surgiu o adolescente rebelde, o esquerdista atônito e desavisado, fazendo frente aos primeiros instantes de democracia brasileira, o empreendedor maluco na esquisitice chamada URV e da dolarização da economia, que depois virou plano Real, o imigrante confuso na América confusa dos atentados às torres gêmeas, o escritor a se definir escritor (essa a pior e dura das catarses), e o pensador, desapaixonado mas convicto de suas opções e opiniões.

Não quero, destas linhas, fazer confessionário. A pretensão é mais filosófica do que política, talvez até ficcional – sou afinal meu personagem, e dele falei acima, e a partir dele seguirei escrevendo, mentindo, sempre, como Pessoa. Se para determinados parentes seria melhor que fosse eu caminhoneiro ou pedreiro, ou até gesseiro (que anda tanto em falta e tão caro cobram), para azar resolvi tomar partido.

Então, ao retomar anotações no décimo quinto caderno, recém aberto, percebi a importância do momento histórico e político que vivenciamos, e o valor de se tomar posição. E disso tomei nota, de imediato, e não poderia ser diferente. Em tempos pós-eleitorais de nossa nação continental, que posa como sétima economia do mundoao alvorecer do século 21, peça chave do inovador Brics a quebrar a hegemonia do dólar, talvez seja o grande momento para se assumir intelectual, e intelectual de esquerda, comunista, sim, senhor e senhora.

Mas cabe ressalva que talvez merecesse somente parênteses: ser de esquerda e tomar para si a palavra comunista, não significa aderir à paixão desenfreada do contra tudo e todos. Tampouco a de adesão ao que outros fazem para assim se dizer progressista e uma pessoa dissimuladamente democrática, etc e tal. Nem vale o criticar por criticar, sair a bancar o opinativo sem guardar conteúdo, típico de um legítimo falador desenfreado que aprendeu a fazer barulho sem aprender a fazer silêncio.

Estamos cada vez mais nos comunicando instaneamente em som, imagem e legendas, e como nunca devemos nos mostrar democraticamente, a se dizer: com causa e consequência. Toda essa gente esquisita que sai às ruas ou vitupera nas redes digitais pedindo ditadura, merece que todos falemos sem pudor o que deles e do mundo de fato pensamos. Sob pena de assistirmos a população de vermes anti-democráticos se proliferar pelo esgoto golpista. E isto também está lá, nos cadernos, em germe que agora toma florada, por força própria e pelos ventos da necessidade.

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