Persiste a crise libanesa

Nas últimas duas semanas, intensificou-se a crise político e militar no Líbano. Disputas e confrontos em alto grau foram presenciados principalmente na parte Oeste de Beirute a capital do país. Uma imensa demonstração de força foi dada pelo grupo Hezbollá

Um país dividido


 


Talvez não haja outro país do Oriente Médio onde a divisão da sociedade seja tão intensa e explícita como o Líbano. País marcado por 15 anos de uma guerra civil que matou dezenas de milhares de combatentes, travada entre 1975 e 1990 e seguido a uma ocupação militar por parte da Síria por mais 15 anos (desocuparam o país somente em 2005), mesmo com certa estabilidade política e certo grau de democracia, as coisas foram ficando cada vez mais tensas desde a eleição do parlamento libanês em 2006.


 


 


Podemos dizer que existem hoje dois campos, que divide o país praticamente ao meio. O campo do primeiro Ministro Fouad Siniora (sunita), apoiado pelo clã dos Hariri (liderado por Saad, filho do ex-primeiro Ministro Rafik, assassinado em 2005) e mais Walid Jumblatt, líder druso, filho de Kamal Jumblatt (drusos são uma ramificação dos muçulmanos), que se organizam no Partido Progressista Socialista. Por fim, esse campo tem o apoio de parte dos cristãos, liderados em parte pelo clã da família Gemayel (Amin, da Falange Cristã) e pela Força Libanesa. Todos esses grupos que dão suporte ao governo se organizam no Movimento 14 de Março, que detém pouco mais da metade do parlamento libanês.


 


 


No campo da oposição agrupam-se, como força principal de oposição e resistência (inclusive já tenso se retirado do governo com seus oito ministros de um total de 24, um terço), o Partido de Deus (Hezbolláh), cujo líder incontestável e muito querido na comunidade xiita, o cheque Hassan Nasrallah. Sua aliança principal hoje se dá com os milicianos do Partido Comunista Libanês e com os cristãos liderados pelo general da reserva Michel Aoun, que viveu exilado décadas na frança, era crítica da Síria, mas retornou ao país e entendeu que o inimigo mesmo são os Estados Unidos e Israel e não o país vizinho, a milenar Síria, com a qual tem hoje relações cordiais. Há outro agrupamento islâmico, mais xiita, denominado de Amal, composto por praticamente da religião de maior poder aquisitivo.


 


 


A imprensa ocidental insiste em dizer que a oposição tem o apoio, inclusive armado e financeiro, tanto do Irã, de Mahmoud Ahmadinejad, primeiro Ministro desse país, como da Síria do presidente Bachar Al Assad. Isso é apenas parcialmente verdadeiro. Existe apoio sim, mas político, de forma que os governos da Síria e do Irã têm divergências profundas com o governo do Líbano, pró-americano e pró-sionista de Israel. Tanto isso é verdade que no combate à Israel, que durante 33 dias em julho e agosto de 2007 atacou o Líbano impiedosamente, quem defendeu a soberania nacional foram os milicianos liderados pelo Hezbolláh e os países vizinhos como Irã e a síria nada enviaram. Esses países sediam sim, é verdade, escritórios políticos e representações de grupos que atuam no Líbano, mas também atuam na Palestina, no Egito e outros países. Isso é parte do que chamamos de solidariedade internacional.


 


 


O exército libanês é composto hoje de 70 mil soldados, em sua maioria esmagadora compostos de sunitas. Ainda que se tente profissionalizá-lo ao máximo, ficaria muito difícil para os cerca de 20 mil soldados xiitas, pedir para que estes bombardeassem manifestações, atirassem em milicianos xiitas do Hezbolláh. O equilíbrio político no Líbano é extremamente frágil. Isso porque a constituição determina que os três grupos se dividam da seguinte forma: um sunita como primeiro ministro, um cristão como presidente (era, até novembro passado, Emile Lahoud) e um xiita na presidência do parlamento (Nabi Berry).


 


 


Com o fortalecimento dos xiitas, com a derrota de Israel na guerra de 30 dias de 2007, existem líderes xiitas que defendem uma maior fatia de poder para seus agrupamentos políticos. Alguns especialistas afirmam que esse grupo derrotou militarmente um dos maiores exércitos do mundo, que é o de Israel, coisa que fazia décadas que nenhum exército árabe fazia isso. Por isso, o grupo quer uma fatia maior dos ministérios e especialmente poder de veto sobre decisões do governo, tomadas pelo primeiro Ministro, que defendem que seja outro e não o atual pró-Ocidental, Siniora. Falam em novas eleições gerais. O país tentou, e tenta há meses, eleger um novo presidente (Siniora vem acumulando essa função com a chefia d governo, conforme determina a constituição). Foram pelo menos 18 tentativas, sem que houvesse acordo em torno de um nome cristão para presidir o país.


 


 


Essa crise mais recente iniciou-se quando o governo de Siniora começou uma investigação sobre uma nova rede de comunicação e telefonia privada instalado pelo Hezbolláh. Chegou a cortar tais comunicações. Daí, a ocupar os 11 maiores bairros de Beirute Ocidental foi um passo rápido. Tudo isso mostra a extrema fraqueza do governo. Estima-se em mais de cem mortos nos conflitos, mas que demonstra o imenso poderio do grupo Hezbolláh. Fez com que inclusive o governo recusasse e autorizasse o restabelecimento dos sistemas próprios de comunicação do grupo guerrilheiro.


 


 


Há quem estime que os efetivos militares, entre ativos e da reserva, do grupo, possa chegar a 25 mil combatentes. Seus armamentos são compostos por mísseis que atingem até a 210 quilômetros. Suas armas prediletas são os mísseis de fabricação soviética Katyusha, que alguns especialistas estimam que o grupo possua mais de 15 mil. Seus fuzis pessoas são os M-16 americanos e os Ak-47 soviéticos.


 


 


Ao contrário do que muitos possam pensar, o Hezbolláh não prega a construção de um estado Islâmico no Líbano. Até porque eles reconhecem no país uma nação árabe multi-relgiosa, ou seja, composta de muçulmanos (xiitas e sunitas), cristão e drusos. Dizem, seus líderes que o estado Islâmico só pode ser defendido quando mais de dois terços da população seja muçulmana.


 


Desdobramentos e perspectivas


 


Como temos procurado fazer nos últimos seis anos, oferecemos aos nossos leitores alguma análise, opiniões pessoais sobre o que pode ocorrer. No momento que escrevemos a coluna para publicação, os despachos das agências internacionais davam conta de um possível acordo entre todas as forças políticas que teria sido estabelecido desde quarta-feira, no Qatar, quando esteve reunido a Liga Árabe, entidade que reúne todos os 22 países árabes.


 


 


A discussão era a de um cessar fogo e uma maior participação do Hezbolláh no governo, incluindo o poder de veto. Vão tentar, depois de 18 fracassos seguidos desde novembro, eleger de uma vez por todas um cristão para a presidência do país (que deve recair sobre o chefe do exército, general Michel Suleiman).


 


 


Pessoalmente, acredito em continuidade dos conflitos, que ainda não se caracterizam como um início de uma nova guerra civil, mas vai continuar um clima muito tenso. Isso porque as concepções entre as várias partes envolvidas no conflito e num eventual governo de coalizão, são profundamente diferentes. Os grupos mais moderados, sunitas, são aliados dos americanos e não se propõe a defender a soberania libanesa, contra Israel. Vamos seguir apoiando as lutas de resistência ao mesmo tempo em que monitoramos os conflitos, para melhor informar nossos leitores.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor