Peru não morre de véspera
Para que o atual isolamento de Bolsonaro culmine em um processo de impeachment, é preciso articular as “oposições”, a pena de que o Presidente consiga recuperar sua base de apoio e popularidade com o passar do tempo
Publicado 15/07/2021 17:25

A expressão é muito comum aqui no Nordeste, usada para caracterizar situações ainda não resolvidas — justamente para que não se tenha como certo o que ainda é duvidoso.
Como no quadro político atual.
Natural e positivo que cresça o otimismo nas hostes oposicionistas diante do visível enfraquecimento do presidente Jair Bolsonaro, a cada dia mais isolado e confuso face as múltiplas crises a administrar, inclusive as que ele próprio cria.
Nas circunstâncias atuais ele pode ser derrotado?
Sim, porém para tanto nem todas as condições estão dadas.
Ocorre em primeiro lugar que, embora enfraquecido e tresloucado, o presidente governa em favor de poderosos interesses externos e internos ainda não plenamente convencidos de que o projeto político do ex-capitão se exauriu.
O desmonte paulatino do Estado nacional e adoção de dispositivos que abrem as portas à ganância estrangeira agradam essa gente.
O ex-super ministro Paulo Guedes, apesar de sucessivos fracassos, ainda é tido como indispensável ao rentismo. Não é sem razão que a Febraban siga avalizando a proposta atual de reforma tributária.

As expectativas de crescimento do PIB, bem sabemos, não incluem os interesses e necessidades da maioria da população. Mas à elite dominante interessa, sim; pois não contraria seus interesses essenciais. A pandemia, que tem trazido graves limitações às atividades econômicas, não impediu uma rápida e astronômica concentração da renda e da riqueza em nosso país.
Para esse tipo de coisa Bolsonaro ainda serve.
De outra parte, ainda há uma clara dissociação entre a crescente insatisfação com o governo e a descrença na capacidade do presidente por parte da grande maioria da população, segundo as últimas pesquisas, e a capacidade de resposta melhor articulada e uníssona pela posição.
Na verdade, o que temos é oposições – no sentido plural e dispersivo.
O modo efetivo de derrotar Bolsonaro sequer tem sido examinado em suas hipóteses operacionais e jurídicas.
Ninguém confia em ninguém e todos preferem ganhar tempo no acúmulo de forças para o pleito presidencial.
Ora, sem um conjunto de forças convergentes e capazes de agir em bloco com uma pauta definida, é vidente que as condições para derrotar Bolsonaro ainda não estão plenamente dadas.

Há líderes proeminentes à esquerda e ao centro, é verdade, porém nenhum se destaca como polo aglutinador de um entendimento amplo e plural, respeitadas as distintas visões em torno de um futuro pós Bolsonaro mas capaz de traduzir a insatisfação da maioria em ação política concreta.
Nessas circunstâncias, é correto agitar a bandeira do impeachment. Porém é igualmente correto que todos falem com todos e discutam entre si a feitura de uma plataforma política comum.
É urgente que isso aconteça, antes que mesmo de modo atabalhoado o presidente se recomponha e recupere uma parcela preciosa de apoiadores que só recentemente jogaram a toalha.
Por isso manifestações de infantilismo político que se expressa em correntes situadas a esquerda são absolutamente deploráveis.
Querer escolher com critério ideológico quais líderes e correntes políticas podem participar de uma ampla frente oposicionista é o mesmo que submeter os que porventura se equivocaram à condenação eterna.
Praticantes de “pecados mortais” em momentos anteriores estariam interditados para qualquer ação conjunta em favor da democracia e pela derrota do inimigo comum.
Tomara que esses que assim procedem se ancorem às margens do rio e não atrapalhem o curso das águas…