Raízes dos conflitos

O cineasta sul-coreano Meul O lança luzes sobre as raízes dos conflitos coreanos neste drama que registra a perseguição aos comunistas

Em boa hora, os IndiesMostra de Cinema Mundial de Belo Horizonte (06 a 12/09/2013) e São Paulo – exibem este “JISeul” sobre o massacre dos comunistas sul-coreanos em 1948 pelas tropas apoiadas pelo exército estadunidense. Em sua denuncia, o diretor e roteirista Meul O concentra a ação em sua ilha natal, Jeju, onde cerca de 200 militantes, suas mulheres e filhos foram executados e queimados. Nos créditos finais, ele cita o número exato dos chacinados e diz que até hoje os EUA não admitem este lamentável fato.

Com sua obra, Meul O mostra o papel do cinema, num momento histórico em que o cinema comercial, supostamente, triunfou sobre o cinema de arte. Um tipo de cinema, puramente mercadológico, hollywoodiano, que sustenta a visão político-ideológica estadunidense. Haja vista a premiação com o Oscar de “Argo” (2012), do ator-diretor Ben Affleck, sobre a retirada de diplomatas de seu país em Teerã, durante a Revolução Iraniana. Foge ao registro e à verdade, servindo mais à propaganda e aos interesses do imperialismo dos EUA.

Cineasta independente e teatrólogo, Meul O (1971) foge a este espectro. Estruturou, em preto e branco, uma obra coletiva, onde há poucos destaques individuais. Nela predomina a inóspita paisagem onde homens, mulheres e crianças são submetidos ao inverno rigoroso, ao medo e ao terror. Eles se escondem numa das cavernas na montanha, depois de receberem a notícia de que o exército sul-coreano desencadeara uma perseguição aos comunistas.

Perseguidos e executados

É a saída encontrada por seu líder, Kyung-Joon (Min-chul Sung) de livrá-los da execução. Seu companheiro Mong-dong (Jung-Won Yang) faz o mesmo. Volta ao vilarejo para buscar a mãe. O clima é de sobrevivência, não de combate por parte deles, comunistas, pegos de surpresa. Mas se há o temor da execução, eles não se deixam tomar pelo desânimo. Desfiam piadas, brincadeiras, para manter os ânimos acesos. Alguns levam seus animais para não sacrificá-los. A caverna torna-se, assim, mais que um esconderijo.

É o contraponto às ameaças vindas do quartel distante da caverna. O major sul-coreano mantém seus comandados sob rigorosa disciplina, punindo os que fraquejam ou dialogam com os prisioneiros comunistas. Um deles, por relaxar a vigilância, é largado nu junto à cerca, congelando-se na neve. Noutra sequência, a militante comunista Soon-duk (Young-soon Oh) é posta diante do pelotão de fuzilamento numa área aberta – ela permanece impassível, fixa nos fuzis para ela apontados. Consegue fugir, num vacilo dos soldados, provocando feroz perseguição. O objetivo, como se vê, era simplesmente eliminar os comunistas, em 1948, início da Guerra Fria, e antes da Guerra da Coréia (1950/1953).

Esta individualização dos personagens se dá ainda com os dois jovens que tentam escapar ao cerco do exército. Um deles traqueja e desencadeia a ira do major contra que os demais. É quando as questões individuais e as coletivas se chocam, com as previsíveis consequências. A câmera de Meul O, sempre imóvel, registra as ações, sem nelas interferir, mostrando o ataque inclemente aos comunistas na caverna. Inexistem combates entre os comunistas e os soldados, só o ímpeto cruel da tropa, que desencadeia o massacre.

História e atualidade

O filme, desta forma, termina por registrar o início dos conflitos entre os próprios coreanos. São as raízes, em 1948, da Coreia do Norte, comunista, aliada da ex-União Soviética, e da Coreia do Sul que, apoiada pelos EUA, numa espécie de Plano Marshall asiático, tornou-se capitalista. Meul O não busca estas reminiscências, concentra-se na perseguição aos comunistas, o suficiente para o espectador refletir sobre a atualidade. Ela não cessou, continua configurada no cerco à Coreia do Norte, urdido pelos EUA, que perpetram o mesmo contra Cuba. E agora, sem trégua contra a Síria e o Irã, para criar um “cinturão de segurança” para Israel e manter o controle do Oriente Médio.

O cinema, embora persista o saudável espaço para a diversão, tem seu instante de registro e reflexão histórica. No entanto, a intoxicação midiática, diante da multiplicidade de veículos (salas de cinema, DVDs, canais pagos, TVs abertas, celulares), horizontaliza a programação, mercantilizando-a, e impondo ao espectador a visão única do cinema comercial hollywoodiano e suas imitações planeta afora. Ocupa milhares de salas de exibição, deixando os espaços, ditos de arte, aos festivais, mostras, alguns cinemas e cineclubes. A estes cabe o papel de debate e reflexão. O que é muito pouco.

Mudar este predomínio do imperialismo cultural estadunidense é, sem dúvida, uma questão de Estado, de política cultural, de ocupação de espaço. Mas que também exigem cineastas, produtores, críticos e espectadores dispostos a ir ao embate para mostrar aos vastos segmentos de público que existem outros olhares para além de violência, explosões e corpos esfacelados hollywoodianos, que entorpecem corações e mentes. Meul O, como o brasileiro Kleber Mendonça Filho, com seu “O Som ao Redor”, fazem, e bem, a sua parte. Falta uma trovoada coletiva para aflorar a multiplicidade de olhares.

Jiseul”. Drama. Coreia do Sul. 2012. 108 minutos. Roteiro/direção: Meul O. Fotografia: Jung-Hoon Yang. Elenco: Min-chul Sung, Jung-Won Yang, Young-soon Oh.

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