Rita Buttes: Nego Malê

Conheci um Nego Malê
Altivo, elegante e orgulhoso
De nariz afilado, olhar profundo e mão intrigante;

Conheci um Nego Malê
Que vestia camisa e gorro vermelho
Revivendo a tradição maometana…
Sim, porque os negros Malês sofriam
Ao ter de despir suas camisas brancas
Para vestir a tanga, nos negreiros sujos,
Da África para o Brasil;


 


Conheci um Nego Malê
Que pegou em armas por algum tempo…
sonhando com uma revolução que não entendia bem;
depois de muitas luas, grande sofrimento diante dos olhos e no coração
trocou as armas por reuniões, articulações, participações…
mas continuou sonhando com uma espécie de “JIRRAH”
Àquela mesma que os Malês de Salvador tentaram, lá pelos idos de 1835…
A vitória da alma negra sobre a alma branca;


 


Conheci um Nego Malê
Com mania de rebatismo
Rebatizava tudo, objetos, plantas, pessoas…
Rebatizou Nego Maliki com ou sem consciência
Que Maliki Ibn Anas Medina, falecido em 795,
Deixou um livro de leis para seus seguidores…
A escola Maliki ainda predomina no Norte da África e dela
Vieram as tradições e sonhos dos Malês para a Bahia;


 


Conheci um Nego Malê
Com ares de mestre, de orientador
Já não lia o Alcorão como seus ancestrais
Mas era iniciado em leitura tão difícil quanto pode ser
O comunismo para um negro da periferia global,
Talvez porque a palavra Malê no final de sua raiz, “mu-allin”
Signifique professor na língua muçulmana;


 



Conheci um Nego Malê
Que sofria de Banzo, mas não o banzo da ótica branca,
apenas como doença psíquica e tristeza profunda…
Banzo como vivência emocional da condição de oprimido,
Sofrimento vil pela passagem de ser humano livre
Para a condição de escravo, marcando ainda hoje a alma negra;


 


Conheci um Nego Malê
Que era Malungo por natureza e necessidade,
Malungo, sinônimo de amigo e camarada
É também um antídoto para o banzo,
Uma estratégia a longo prazo que faz resistir,
ao banzo, a perda da liberdade, da cultura
guardando consciência de seu destino histórico;


 


Conheci um Nego Malê
Que conhecia a sua demanda…
Demanda como noção de conflito a ser vencido
Conheci um Nego Malê que era Malungo para vencer a demanda
Que unia companheiros de luta e resistência…
Que sonhava em construir um exército e que,
Muitas vezes pareceu, ser um exército de um homem só.


 


Rita Buttes – Terapeuta Ocupacional, mestre em ciências criminais – direito na PUCRS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

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