Semelhanças e diferenças dos conflitos no Líbano e no Iraque

Os analistas e estudiosos da política do Oriente Médio devem ficar em pânico quando lhe perguntam sobre as dimensões que vem tomando os conflitos no Líbano e no Iraque. Isso sem falar no drama vivido pelos palestinos. No meu caso, que tenho a tarefa há qu

A mídia grande insiste em apresentar todo e qualquer conflito no Oriente Médio como “conflito religioso”, sectário. Tenho refutado essa tese, ainda que não negue a existência de divergências também nesse campo. Mas, só para ficarmos em um único e emblemático exemplo: se o conflito é religioso, porque uma mesma corrente religiosa, como é o caso dos xiitas, no Iraque, aliam-se aos Estados Unidos em apoio à ocupação e no Líbano, ali ao lado, colocam-se frontalmente contra o governo do primeiro Ministro Fouad Siniora, que é apoiado pelos Estados Unidos? Por isso, quero tratar essa semana de ambos os problemas vividos pelos dois países.


 


Iraque em guerra civil?



 
Este é assunto que já nos batemos nesta coluna. Existem características que devem ser preenchidas para que um país viva em estado classificado como de guerra civil. O principal deles é a existência de grupos políticos insurgentes bem organizados o suficiente, para disputar o poder central do país. Esse é exatamente o que vem ocorrendo no Iraque ocupado por forças estrangeiras.



 
Na semana passada, noticiávamos a visita do presidente americano ao primeiro Ministro iraquiano, Nour El Maliki, um xiita moderado. Um dos pontos na mesa de discussão, cuja reunião ocorreu em Amã na Jordânia, é a definição ou não de um calendário de retirada das tropas anglo-americanas do Iraque. Maliki, um serviçal dos EUA pediu, quase em tom de imploração, que os americanos não se retirem, nem iniciem a retirada, mesmo que gradual, antes de julho de 2007.


 


 
Bush, que vem tentando todas as cartadas para ter uma saída honrosa desse atoleiro em que meteu o seu país, vem aceitando todas as sugestões possíveis. Esta semana será divulgada, com pompas e circunstância, um relatório de uma comissão formada por republicanos e democratas estadunidense, coordenada pelo Sr. James Baker, ex-secretário de Estado (republicano) e por Lee Hamilton (democrata). Não haverá novidades no conteúdo do relatório, cujas linhas gerais já antecipamos aos nossos leitores. A retirada sugerida, será gradual e não imediata. É, portanto, uma questão de tempo para que os conflitos e as conflagrações no Iraque ganhem uma dimensão ainda maior do que tem hoje.



 


Outro debate posto é avaliar se os Estados Unidos vem ganhando a guerra ou não. Bush vem insistindo que os americanos estão ganhando a guerra. Por incrível que possa parecer, o futuro Secretário da Defesa, chefe do Pentágono (leva esse nome pela forma como foi construído o prédio onde funciona essa secretaria, parcialmente destruída em 11 de setembro de 2001), Robert Gates, declarou em sabatina no senado americano, que os Estados Unidos estão sim perdendo essa guerra.


 


Essa semana, entre leituras e bons filmes que pude assistir, vi um que se chama “O veterano”. Trata da uma obra de ficção sobre uma ONG americana que procura americanos que “ficaram para trás”, em todas as guerras que os Estados Unidos se meteram nos últimos 50 anos desde os conflitos na Indochina. Um dado interessante é o número que o filme apresenta: desde 1950, foram três milhões o número de soldados americanos enviados ao exterior para participar de conflitos, guerras, ocupações de países, derrubadas de governos. No Iraque hoje são exatos 138 mil soldados americanos, dos quais a marca de três mil mortos deve ser atingida nos próximos dias.


 


Assim, em minha opinião, o Iraque esta sim em guerra civil e não vejo perspectiva de solução do conflito em curto prazo. Ao contrário. Acho que as coisas vão se acirrar ainda mais. Até porque duas coisas os americanos podem apostar, estão investindo nisso, que pioram a situação: 1. Condenar Saddam Hussein e 2. Dividir o país, federalizá-lo, em três grandes regiões (curdos, xiitas e sunitas).


 


Nesse caso, os grupos políticos, partido e entidades de massa que lutam contra a ocupação, os que defendem a unidade territorial do país e a construção de uma ampla aliança política para derrotar os americanos e seus aliados, vão levar vantagem, mais dia menos dia. É o caso dos membros do Partido Baath, hoje na clandestinidade, os sunitas e os comunistas iraquianos. Ainda que possam ser minorias na população, esses grupos de pessoas lideram a resistência e a insurgência e serão vitoriosos. E é importante registrar que muitos grupos xiitas também resistem à ocupação e não aceitam a forma como setores das classes dominantes do país se aliaram aos Estados Unidos.


 


Guerra civil no Líbano?


 


Esse assunto também tem ganhado espaço nos jornais, especialmente nas colunas dos analistas e articulistas especializados no Oriente Médio. Os últimos acontecimentos, que comentamos em detalhes, mostram acirramentos dos conflitos. Assassinatos políticos de políticos que fazem oposição ao presidente Emile Lahoud, um aliado sírio, exaltam os ânimos e levam às ruas partidários das forças políticas envolvidas no conflito. Como já expressei minha opinião nesse e em outros casos, a Síria é a que tem menos interesse em apoiar tais crimes. Essas mortes tem, seguramente, o dedo da Síria ou gente dos serviços de inteligência pró-EUA. Não tenho dúvidas disso.


 


O enterro do herdeiro do clã político dos Gemayel, Pierre, foi transformado em um grande ato de apoio ao primeiro Ministro Siniora. A imprensa noticiou, com dados fornecidos pelo governo, que haviam mais de 800m mil pessoas presentes. A maioria gritava slogans de apoio ao governo, pró-americano e anti-Síria. A questão posta é que para ser derrubado, precisam sair oito ministros de um total de 24 e seis do Hezbolláh e mais o ministro morto, totalizam sete. Portanto, a pressão é que mais um saia, para que ocorram novas eleições e a formação de um novo governo, que reflita a realidade política de um país, que saiu de uma guerra de agressão de Israel e resistiu vitorioso por 32 dias de ataques e bombardeios que matou quatro mil libaneses.


 


A fragilidade do governo é patente. O Partido de Deus (que em árabe quer dizer Hezbolláh), é hoje uma força emergente, ainda que os xiitas não sejam majoritários no país. Mas, boa parte dos cristãos, especialmente os ligados ao general da reserva Michel Aoun, são aliados dos xiitas. O que precisamos entender que, mais uma vez, neste caso a questão não é e não deve ser vista como religiosa, mas sim política. Esse general, hoje deputado no parlamento, entende que não deve aliar-se aos americanos. Mesmo tendo divergências históricas com a Síria, esse político libanês compreende que o inimigo maior a ser enfrentado neste momento são os americanos e os israelenses, inimigos de todos os povos da humanidade.


 


Esta semana, veio a resposta do Hezbolláh. Um milhão de pessoas foram às ruas, exigir a renúncia do governo de turno. Fouad resiste. Balança, mas não cai. A partir disso, os conflitos vem se acirrando. Esta semana ocorreram duas mortes e os respectivos enterros transformam-se em atos públicos contra e a favor do governo. É nesse quadro, que o fantasma da guerra civil que destruiu e conflagrou o país por 15 anos (1975-1990), volta a rondar o país.


 


Aqui, uma opinião e um juízo de valor, arriscado, mas é meu dever de ofício fazê-lo. Não creio em uma nova guerra civil, entendida como guerra entre grupos políticos rivais que disputam o poder. Acho que a democracia do Líbano uma das mais avançadas na região. O desgaste seria imenso para ambos os lados. O que esta em curso é uma acomodação do processo político, de conquistas de maiorias e hegemonias na esfera de poder. Nenhum grupo sozinho detém a maioria. Parece um caso semelhante ao do Brasil, onde nenhum partido consegue fazer maioria no parlamento e, para governar, tem que fazer alianças.


 


Hoje, o Hezbolláh, com seus aliados cristãos e sunitas, mais o PC libanês, caminham para ter ampla maioria na sociedade e no parlamento. Mas, para isso, tem que ocorrer novas eleições. Esse parlamento não reflete mais a realidade política do país, que mudou profundamente com os ataques israelenses, apoiados pelos Estados Unidos. A população enxergou, de forma clara, quem é quem na política libanesa. Boa parte dos cristãos maronitas, ficaram sem saber o que fazer. O comando da reação, da resistência, de armas em punho, veio mesmo do Hezbolláh, sunitas e xiitas e dos comunistas libaneses.


 


Por isso, somamos nossas vozes a esses grupos de homens e mulheres, lutadores pela autonomia e independência do Líbano, país árabe milenar, ao qual muitos brasileiros são descendentes.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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