Sempre uma bela menina

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Às vezes mamãe nos levava para um passeio na loja do meu pai. Melhor do que passar pela escrivaninha e furar papel para fazer confetes, e lembro que o perfurador de papel era disputadíssimo, brincar com o tinteiro e fazer alguns rabiscos, era ir ao depósito de sacos de fios e brincar nas alturas. Os sacos ficavam empilhados em montes desiguais, alguns nos permitia tocar no teto. As brincadeiras de esconde-esconde nos fazia esquecer o tempo.

Numa ocasião destas, depois de sumir por alguns minutos, Solange voltou com um embrulho na mão e disse: – eu mesma escolhi o tecido, vou mandar fazer uma melindrosa.

Naquela época, mesmo a loja sendo do meu pai, era mamãe quem decidia sobre as nossas roupas. As meninas sempre se vestiam em par: Conceição e eu tínhamos as roupas iguais e Solange e Gizêlda também se vestiam iguais, o tecido, o modelo era escolhido por mamãe. Até a roupa dos meninos também era da responsabilidade da mamãe, nenhum dos mais velhos até aquele dia tivera a ousadia de mudar as regras.

Solange teve ali o seu primeiro gesto de independência. Quis ficar diferente, queria um vestido de cintura baixa com pregas e foi exatamente isso que ela conseguiu.

O meu pai ao contrário do que se podia imaginar achou aquela atitude linda, uma criança que sabia o que queria e isso ele contava aos amigos com muito gosto.

Solange , parecia ser a mais mimada das quatro filhas, embora não fosse a caçula. Era também a mais bonita, acho que os cabelos cacheados lhe davam graça e a diferenciava das outras. Quando sorria tinha covinhas no rosto, sinal de beleza. Solange era uma menina cheia de vontades. Não gostava de fotografias, são poucos os momentos criança onde ela se deixou fotografar. Nas nossas brincadeiras, quando se tratava de um jogo, ela só entrava pra ganhar, esta regra era clara e se não a aceitássemos, tinha no choro o seu passaporte de entrada, papai chegava e só tinha jogo com ela. Aprendemos a valorizar o segundo lugar, o primeiro, não tinha jeito, sempre foi da Solange.

Sua coragem e seu poder de decisão era o ponto de equilíbrio das nossas fragilidades, terminava o jogo e já estávamos preparando outra brincadeira. Parece que durante a nossa infância o dia era maior. Brincadeiras mil, daria pra escrever um livro só de brincadeiras: bonecas, casinha, cancão, trisca, comidinhas, pular corda, brincar de roda, dramas, soltar papagaio, jogar bilas entre tantas outras. Eram sempre momentos onde se fortalecia a amizade fraterna e onde aprendemos muito com a convivência saudável de uma grande vizinhança.

Todos esses momentos gostosos da infância, uma vez ou outra vem à tona, pela beleza de como foram construídos e pela felicidade com que foram escritos.
A aproximação do doze de setembro, aniversário de Solange, a minha memória desperta na infância, em brincadeiras de crianças, e a menina que corre para os meus braços é Solange e, como vem elegante com sua melindrosa.

A mulher de hoje e a menina de outrora, ambas extremamente encantadoras e de gestos igualmente belos terão sempre um lugar de aconchego dentro do meu coração

Solange, sempre uma bela menina.

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