Sim, nós podemos?

Já repercutiu imensamente e ainda vai repercutir muito mais, a vitória do primeiro presidente negro na história dos Estados Unidos. Barak Hussein Obama ainda não disse a que veio, mas as especulações correm soltas. Um dos seus slogans de campanha – a mais

As repercussões da vitória


 


 


Já comentamos na semana anterior e retomamos agora mais uma vez, a questão da vitória da Barak Obama. Ela ocorre num contexto que tem como pano de fundo uma clara e insofismável derrota ideológica do neoliberalismo, desse modelo de capitalismo financeiro que começou a ser introduzido no mundo há quase trinta anos (alguns autores mencionam seu início com o governo de Margareth Thatcher, em 1979 na Inglaterra e outros recuam ainda mais com o Chile em 1973, com Milton Friedman).


 


 


É claro que, por si só, a vitória da Obama é muito positiva. Pelo que ela significa em termos de simbologia, a vitória do primeiro negro na história das 44 eleições de presidentes americanos desde a independência americana em 1776. Pelo que Obama significou em termos de trabalho e organização da população mais pobre e os negros na cidade de Chicago, pelas propostas que ele defendeu na campanha, em sua maioria progressistas para aquela realidade. Ainda que não tenhamos ilusão de que
ele seguirá representando o Estado mais poderoso da terra, econômica e militarmente falando. Mas, a sua vitória significou a derrota da era Bush, do militarismo, da política externa guerreira, da volta do multilateralismo.


 


 


O mundo comemorou, centenas de milhares de pessoas saíram ás ruas na noite de 4 de novembro e saudaram essa vitória. Choraram, cantaram, dançaram. Era a comemoração do fim da um tempo que todos querem que seja esquecido. Fim das guerras, fim das restrições às pesquisas científicas, direito livre às mulheres escolherem sobre a maternidade, direito de união estável com pessoas do mesmo sexo e tantas outras coisas. Particularmente entre os negros, onde Obama recebeu, segundo pesquisas de intenção de voto, 96% dos votos dessa comunidade, estes se encontram em estado de êxtase. É como se o sonho de Martin Luter King estivesse sendo realizado.


 


 


Até Jarvis Tyner, vice-presidente do Partido Comunista Americano, expressando opinião da direção do PC dos EUA, saudou com entusiasmo essa grande vitória. Foi uma vitória do movimento sindical, da juventude rebelde americana que clama por mudanças desde os eventos históricos de Seattle, há nove anos. Foi a vitória do voluntariado, das doações e contribuições de pequeno porte, dos movimentos sociais. Enfim, uma significativa vitória histórica.


 


 


Não tenhamos ilusão


 


 


Confesso que estou entre os que também comemoraram a vitória da Barak, um Hussein como já disse em artigo anterior, por tudo que disse acima, mas porque a sua plataforma contrastava com o governo Bush, com sua plataforma fascista e restritiva. A política externa de Obama, ainda que ele pouco tenha esclarecido dos detalhes, seguirá em linha oposta a de Bush. O presidente que encerra o mandato, o mais impopular e melancólico da história americana, criou a política das chamadas guerras preventivas. Ataca primeira e pergunta depois. Criou a estranha e esdrúxula lista do chamado “Eixo do Mal”, que países como Coréia do Norte, Irã entre outros figurariam nela.


 


 


No entanto, Obama poderá viver o que o presidente Lula viveu em seu primeiro mandato. Uma imensa corrente de esperança, como se pudesse, em quatro anos, reparar injustiças seculares que nosso Brasil sempre teve. Houve, num primeiro momento, imensa frustração. Obama não conseguirá reparar essas injustiças, ainda mais agora com a crise financeira internacional e a retração da economia estadunidense.


 


 


Nosso foco nesta coluna sempre foi e continuará sendo o Oriente Médio. Aqui entra a questão: que Obama fará com relação à região? Um jornalista outro dia mencionou as decisões relacionadas com os três “Is”. De Israel, de Irã e de Iraque. E no caso de Israel, queremos dizer, claro, Palestina. Pessoalmente, acho que Obama vai priorizar a normalização das relações com o Irã e mesmo com a Síria, para tentar um distensionamento no Iraque, sabendo que esses dois países têm influência nos grupos políticos que combatem o atual governo iraquiano. No caso do Irã em particular, será o debate sobre a interrupção do seu programa nuclear, que o governo iraniana afirma que é de fins pacíficos.


 


 


Mas, e a Palestina? Israel é um Estado completamente dependente dos Estados Unidos. Tanto do ponto de vista financeiro, como militar e diplomático. Os EUA nunca votaram contra Israel em qualquer resolução das Nações Unidas que possa prejudicar o seu maior e mais estratégico aliado no Oriente Médio. A ajuda econômica a fundo perdido à Israel atinge a cifra anual de pelo menos três a cinco bilhões de dólares. Grosso modo, nesses 60 anos da existência de Israel, sem levar em conta a inflação, pelo menos 200 bilhões de dólares os EUA torraram para manter e sustentar esse estado, que é discriminador e sionista.


 


 


Talvez para Obama a causa palestina não seja prioritária. Ele quer resolver a desocupação do Iraque em curto e médio prazo – fala-se em 16 meses agora – e depois abrir diálogo até com o Talibã no Afeganistão e com emissários do presidente do Irã, Ahmadinejad. Sabe-se que a vitória de Obama no Oriente Médio não foi comemorada com entusiasmo nas ruas, mas houve comemorações. No entanto, em apenas um lugar nada houve: exatamente em Israel. Ao contrário. Na capital do país, Tel Aviv, o clima era de apreensão e muita preocupação com a novidade.


 


 


Todos sabem o poder que o chamado lobbie judaico possui nos Estados Unidos. Existem os chamados “evangélicos sionistas” e mesmo os representantes da AIPAC (American Israel Public Affairs Commitee) vão ficando cada dia mais poderosos, segundo nos relata o escritor israelense Uri Avnery. O primeiro nome que Obama escolheu de sua equipe presidencial é o do deputado Rahm Immanuel, de origem judaica, fluente inclusive em hebraico. Um deputado eleito pelo Partido Democrata, com completo trânsito entre israelenses e sionistas (“Rahm” significa “alto” e “Immanuel”, significa “deus está conosco”). Esse parlamentar é filho de um membro do grupo terrorista sionista chamado Irgun, que praticou várias atrocidades contra palestinos antes de 1948. Rahm foi educado em lar judeu e sempre apoiou o exército de Israel. Isso tudo é extremamente preocupante.


 


 


Diversos analistas internacionais afirmam que estão muito céticos com a possibilidade de um processo de paz na região. Se nada avançou com Bush, corre-se o risco de nada avançar com Obama. Pessoalmente, acho que mudanças ocorrerão. Ficar como está, a sensação que se fica é de que o continuísmo da era Bush vai ser mantido e sua política externa desastrosa continuará na Casa Branca. Mas, o slogan “Change”, mudança que tanto foi martelado na campanha, como ficará?


 


 


De fato, Obama ainda não disse a que veio, pelo menos para a questão do Oriente Médio. E nessa região, a questão palestina é vital e estratégica. Mudanças podem ocorrer, ainda que mais lentamente do que se imaginava e dos que depositaram nele uma grande esperança. Os presidentes da Síria, Bachar El Assad e do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, pela primeira vez na história recente, enviaram cartas saudando a eleição de Obama, criando um canal de imediato de diálogo.


 


 


A paz só é possível se os Estados Unidos a apoiarem. Nenhum presidente na história americana teve coragem de pressionar Israel e defender a paz. Pode ser que agora, com esse clima mundial, isso agora se torne realidade. Mas, sem pressão americana, Israel não assinará a paz. Seja o vencedor das eleições de fevereiro Livni, do Kadima, Barack (o outro), do Trabalhista ou Netanyahu, do Likud.


 


 


As cartas estão na mesa, os jogadores estão posicionados. Tudo dependerá dos Estados Unidos e da coragem do novo presidente. Os termos, as condições, os limites nas negociações, tudo isso ambos os lados estão cientes. Resta disposição e vontade de fazê-lo. Será que Obama poderá e conseguirá fazê-lo?


 


 


Diferente do escritor Avnery, que responde à pergunta “Sim, ele pode!”, eu não tenho tanta certeza assim de que pode e de que vai pressionar Israel pela paz. Mas, seguirei torcendo por isso e continuarei monitorando os desdobramentos da política externa americana no próximo período, para melhor informar os nossos leitores.

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