Sobre o valor da amizade

Ontem fiz 42 anos de vida e, seguramente, foi um dia especial para mim e para minha família. Mas, o que me tocou o coração foi às várias mensagens de felicitação que recebi, muitas delas de gente que conheço apenas neste mundo virtual.

Nestes tempos onde tudo, até os sentimentos, são transformados em mercadoria percebo que, para além daqueles que vendem felicidades em novelas e reality´s (a grafia é esta mesmo?), é fundamental ter amigos, pessoas em quem confiamos e nos trazem as gotas do orvalho e o sopro das mais belas manhãs.

Aprendi que amizades não são decretadas, são construídas.

Certa vez, em São Paulo, uma amiga me disse que amizade é colecionar pessoas, até hoje penso nisso e reconheço que não cheguei a nenhuma conclusão, também não tenho pressa. Deixei de ter os apressamentos que me acompanharam durante grande parte de meus dias. Hoje sou mais tranqüilo.

Certamente nosso primeiro grande amigo é o ventre de nossas mães e creio que não há lugar melhor para ficar guardadinho e bem protegido durante os nove meses de gestação.Talvez seja por isso que, quando viemos ao mundo, caímos no choro. Tal choro é uma despedida que fazemos deste generoso amigo que lá no íntimo, bem no fundinho de nossos corações, jamais gostaríamos de nos despedir e nos despedimos. A vida é assim.

É por isso que a palavra mãe é a mais importante, junto à liberdade, do nosso vocabulário.

Mas, nascidos, vamos tendo mais amizades e meu primeiro amigo foi meu irmão Ronaldo. Ele é tão importante em minha vida, mas tão importante que só fui andar e falar quando ele já andava e falava. Por isso advogo que a gente quando têm o primeiro rebento, devemos dar a esta criança, irmãos. Mais que irmãos, amigos. Sempre.

Se nos damos bem em casa, se aprendemos a dividir e compartilhar, estaremos preparados para numerosos amigos. Sim, é verdade, ter irmãos nos educa, corpo e mente, para o mundo das relações humanas.

É com base nos irmãos que vamos construindo amizades, mundo afora. Se a formação for boa, avançada, ministrada no amor e no respeito, particularmente aos mais modestos, seremos felizes. Felizes apenas porque temos em quem confiar, jogar futebol-de-botão e trocar figurinhas durante todo o percurso de nossas vidas.

Amizade é uma espécie de aço, um mineral fraterno que não pode, jamais, em tempo algum, enferrujar.

Uma das melhores acontecimentos destes últimos tempos foi rever meus amigos de escola, do tempo em que a gente tem quinze anos de idade e pouquíssimas responsabilidades. Naqueles dias, estudante do Núcleo Pedagógico Integrado da UFPa encontrei pessoas que, mesmo vendo pouco, bem pouco, a vida ensina que a amizade tem o mistério de parar o tempo. Falo assim porque é só revê-los que a coisa continua de onde havia parado.

Somos quem somos porque estudamos juntos, jogamos bola, tivemos as primeiras namoradas, tomamos as primeiras cervejinhas, escapulimos para um mundo que só quem teve quinze anos pode entender, que só a juventude compreende.

Ali, naquela escola da Perimetral, naqueles muros, naquelas salas, no Salão Vermelho a gente foi se forjando para nunca mais se deixar, não é mesmo Klena? Não é mesmo Zezinho? O que achas disso Alma? Qual tua opinião Ênio? Percebes Manoel? Quanto tempo Mafra? O que fazer diante de tudo isso Fernando? Quando vamos nos rever Nancy? Cadê o Marcelo Casca? São todos pais, mães, trabalhadores, gente que rala muito, gente que está dentro da gente para a vida inteira e assim somos felizes, simplesmente porque temos velhos amigos que, somados aos novos, vamos formando uma miríade de gentilezas e a vida vai ficando melhor e menos dura.

A coisa toda fica mais agitada quando participamos da vida de nosso povo, seja nas pequenas e nas grandes contendas em defesa de um país mais justo e solidário. Desde muito tempo falo isso ao Pedrinho e a Juliana.

Tenho a cristalina convicção de que lutar é sempre o melhor caminho e por isso, desde tenra idade, sou comunista. Decerto que já nasci rubro, vermelhusco como diz o João Haas, mas fui ver mesmo esse papo de comuna quando meu pai, meu amigo e amante de causas justas, foi covardemente morto pelos inimigos de nosso povo.

Desde aquele dia aprendi os versos de Paulo César Pinheiro em “Pesadelo” ensinando que “Quando um muro separa, uma ponte une/ Se a vingança encara, o remorso pune/ Você vem me agarra, alguém vem, me solta/ Você vai na marra, ela um dia volta/ E se a força é tua, ela um dia é nossa/ Olha o muro, olha a ponte, olha o dia de ontem chegando, que medo você tem de nós/ Olha aí/ Você corta um verso, eu escrevo outro/ Você me prende vivo, eu escapo morto/ De repente olha eu de novo, perturbando a paz, exigindo o troco/ Vamos por aí, eu e o meu cachorro/ Olha o verso, olha o outro, olha o velho, olha o moço chegando/ Que medo você tem de nós/ Olha aí / O muro caiu, olha a ponte da liberdade guardiã/ O braço do cristo horizonte, abraça o dia de amanhã/ Olha aí”.

Esse poema-canção vive em mim há tanto tempo, mais tanto tempo que parece que foi parido por minhas entranhas, no silêncio das desgraças e no poder que a gente tem de se reinventar. É preciso, mais do que nunca, interpretá-las com profundidade para travar o bom combate e seguir empunhando causas civilizatórias e libertárias.

Decerto que tenho amigos que não viveram o tempo presente e, no entanto, viverão sempre na alma dos brasileiros. Tomo para meus dias os versos de Castro Alves e Gonçalves Dias, a abnegação de Frei Caneca, a altivez consciente de Batista Campos, a combatividade de Guaimiaba e a insubmissão de Eduardo Angelim, o último presidente dos cabanos.

Ora, porque não podemos ser amigos de Zumbi? Quem nos impede de traçar insurgências com Antônio Cândido, o almirante negro dos mares? Quem foi que disse que não podemos debater o sertanejo com Euclides da Cunha e, com ele, compreendermos a civilização do couro e a terra nordestina? Quem nos proibiu de travar diálogos mentais com Lênin às vésperas de outubro de 1917?

Aliás, o Guevara é meu amigo e até proseei com ele ontem sobre a luta emancipacionista na América Latina. Isso tudo diante do golpe de estado patrocinado pelos yankees na Venezuela bolivariana onde os terroristas do grande capital atuam para sepultar a notável experiência popular que têm em Hugo Chavez e Nicolas Maduro sua expressão mais altaneira. Não tenho dúvidas de que os gendarmes do império serão derrotados, apesar da mídia, do passado colonial e das montanhas de dólares destinados em solapar tão importante aventura civilizatória na qual nos ensina que a pátria é o amalgama de seu povo, lá e aqui.

Revelo que os termos da conversa com o Che, na qual se somaram as figuras de Cienfuegos, Prestes, João Amazonas, Allende e Lautaro foi determinado que o poder do capital não vencerá! Mas, para isso, precisamos falar aos corações e as mentes. Infunde-nos a tarefa de sermos menos prolixos e mais diretos, menos cartesianos e mais poéticos.

Se eu contar aqui que compus umas canções com o Lennon irão me chamar de doido e sou louco mesmo. Louco por amigos, os reais, os viventes, os que já se foram, os inspiradores por todo o sempre.

O Neruda passou aqui em casa esses dias para mostrar-me recentíssimos poemas e foi bem na hora do almoço. Comemos eu, a Manu, a Matilde Urrutia, o poeta chileno e o Ruy Paranatinga. Égua, quando o nosso poeta paraoara apresentou “Nativo de Câncer” o chileno pirou o cabeção. Ficaram na sala, bebericando e trocando confidências. Fui tirar a sesta e quando acordei já tinham ido embora.

Revelo que fiquei meio puto porque não se despediram e cá com meus botões refleti que depois de uma maniçoba, depois da manivada fraternal, novas obras poéticas haverão de vir. Esses meus amigos são terríveis, comem feito glutões e vão embora. Relevo porque depois encontro-os em meus sonhos e na sensibilidade que jamais haverá de se perder.

Quero tanto ir ao futebol domingo ver o Papão da Curuzú dar um sacode naquele bichano insosso, mas tenho compromisso com a turma do Araguaia. É que o Osvaldão vai dar umas aulas de boxe e de tiro para a moçada da UJS e do Levante Popular da Juventude. Como fiquei com a responsabilidade da mobilização vai ficar bem difícil ir ao Mangueirão. Fazer o que? A revolução vem em primeiro lugar…

Bueno, vou ficando por aqui. Mas o que realmente importa nesta vida são as pessoas, os amigos, a luta, o coração e a poesia.

Um beijo no coração de todos.

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