Terroristas na tríplice fronteira?

Especialmente desde os ataques às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, o primeiro ataque interno que os americanos sofreram em seu próprio território desde que os ingleses ainda tentaram recuperar o território colonial na primeira d

A chamada tríplice fronteira


 


O município de Foz de Iguaçu faz fronteira com o Paraguai e com a Argentina. Nessa localidade esta instalada uma das maiores usinas hidroelétricas do mundo, a Itaipu Binacional, que gera grande parte da energia do Centro-Sul do país. A cidade mais conhecida na região, no lado paraguaio, é Punta Del Este, antigo Porto Strossner. É uma espécie de território liberado de contrabandistas. Ninguém paga imposto algum e é um paraíso para os que vivem de comércio ilegal, de mercadorias de segunda linha e falsificações de todos os tipos, desde simples brinquedo até aparelhos eletrônicos sofisticados.


 


 
Nessa terra de ninguém, por essa nossa fronteira, passam diariamente pelo menos 50 mil pessoas, segundo estimativas da polícia federal brasileira. Uma massa humana considerável. Algo como 1,5 milhão de pessoas todos os meses. São os famosos “sacoleiros” que arriscam pequenas economias e investem em compra de produtos para revendê-los em grandes centros em várias cidades médias e capitais do Brasil, para ganhar algum dinheiro na economia informal. Isso sem falar que essas pessoas, além de arriscarem vidas e economias, estão sujeitas a ter suas mercadorias apreendidas ou na fronteira, onde são revistados por sistema amostrais e probabilísticos, podem ter todas as suas mercadorias apreendidas por guardas municipais nas suas cidades de origem.


 


 
Essas localidade são também terra de ninguém pelo fato que a sua polícia é completamente ineficiente e corrupta. Por qualquer pequena quantia de dinheiro, pode-se liberar mercadorias, deter determinadas pessoas, efetuar prisões de inimigos de delegados e policiais e políticos locais. Uma espécie de terra sem lei. A segurança de lojas e pequenos centros comerciais nessas cidades é feita por seguranças privados, vestidos à paisana, que portam suas pistolas e escopetas, dando proteção aos comerciantes locais.


 


 
É nesse caldo de cultura propício a uma vida ilegal e de submundo que, a partir do início da década de 1970, mas precisamente em meados dessa década, quando do início da guerra civil no Líbano, que começaram a chegar os primeiros imigrantes libaneses para essas localidades. Uma parte veio ao Brasil e outra foi para Punta Del Este. Ali se estabeleceram, construíram mesquitas, centros comerciais e prosperaram. Viraram homens e mulheres de negócios, tornaram-se pessoas importantes na comunidade local. Agora, pesam sobre parte dessas pessoas a acusação de terem envolvimento com o que os americanos chamam de “terrorismo”.


 



A entrada da Globo nesse processo


 


Na semana que passou, desde o dia 7 de março e até esta terça-feira, dia 13, o jornal O Globo, o segundo maior do país, vem publicando uma série de reportagens especiais de página inteira, onde se investiga a comunidade muçulmana de Foz do Iguaçu e de Punta Del Este no Paraguai. Ainda no final de semana que passou, a revista Época do mesmo grupo, estampa em sua capa a pergunta: “Terroristas islâmicos estão escondidos no Brasil?” (1).


 


 
Li com atenção as reportagens d´O Globo e a da sua revista. Apesar do esforço de reportagem, de tentativas de realizar entrevistas com “suspeitos” de “terrorismo” (assim os repórteres se referem às pessoas), de mostrar imparcialidade, de “ouvir os dois lados”, as matérias são tendenciosas, facciosas. Até porque os jornalistas já incorporaram em seu cotidiano um linguajar que é o da mídia, o mesmo do império. São profissionais que falam em português o que os jornais americanos escrevem em inglês. Falam a nossa própria língua o que pensam os americanos.


 


 
Os combativos jornalistas do Le Monde Diplomatique, da qual fui assinante muitos anos, Ignácio Ramonet e Bernard Cassen, chamam esses profissionais de “jornalistas de mercado”. Os editores das redações não precisam pedir para eles chamarem de terroristas todos os jovens muçulmanos ou não que, de armas nas mãos, lutam pela libertação do Iraque e da Palestina e atacam tropas estadunidenses. Mesmo quando soldados israelenses, em uma brutal desproporção de forças e armamentos, que reagem com fortes ataques à simples pedradas recebidas em alguns casos por crianças, esses soldados “reagem” e nunca atacam. Os massacres que eles perpetram nas populações indefesas não são ataques terroristas, nem quando isso é feito a uma altura de mais de três mil metros por “heróicos” pilotos em seus modernos caças fabricados pelos estados Unidos.


 


 


Assim, foram as tais “reportagens” do O Globo. Parece que esse velho hebdomadário volta aos seus velhos tempos. E essa recaída vem sendo observada desde o seu facciosismo da campanha eleitoral de 2006, quando mais uma vez tucanou de vez e praticamente apoiou abertamente o candidato neoliberal à presidência. Desta feita, são as “reportagens”, baseadas exclusivamente em um “relatório” do Departamento do Tesouro dos EUA, que acusa em torno de 10 pessoas, todas elas invariavelmente libanesas, naturalizadas ou não brasileiras ou paraguaias, de enviar dólares aos milhares, centenas de milhares, para o Partido de Deus no Líbano, cujo nome em árabe é Hezbolláh. Seu líder máximo, um herói hoje no Líbano, é o xeque Hassan Nasrallah.


 


 
A palavra “terrorista” aparece dezenas de vezes. Alguns dos “acusados” pelos americanos, foram presos, espancados, torturados pela polícia paraguaia. Um deles, chegou a ficar detido, sem prova alguma por sete meses, causando imenso transtorno pessoa e à sua família. Depois, disso, sem prova nenhuma que o incriminasse, foi solto. É o caso de todos os dez “acusados” pelos americanos.


 


 
Que crime cometem essas pessoas? Sim, é verdade essas pessoas enviam dinheiro para seus familiares no Líbano. Na sua maioria, moram em aldeias, pequenos povoados no Vale do Bekaa, no leste do Líbano. Mas o fazem em pequenas quantidades, como todos os parentes em qualquer país do mundo também o fazem e remetem dinheiros para seus familiares. Quantos latino-americanos enviam bilhões de dólares para suas famílias nos país da América Latina? E os decasséguis, descendentes de japoneses, que, ao se mudarem para o Japão, ainda que para trabalhar em jornada estafante de mais de 12 horas diárias, enviam também milhares de dólares aos seus parentes residentes no Brasil? São todos terroristas?


 


 
Fico imaginando a dor que um muçulmano tem ao ler uma reportagem desse tipo. Fiquei espantado com a manchete, altamente discriminatória, da revista Época. Porque “terrorista islâmico”? Ao acaso quando Bush, cristão fundamentalista e de extrema direita, autoriza ataques a aldeias iraquianas e inocentes civis são mortos, os jornais o chamam de “terrorista cristão”? Quando aquele terrorista confesso há quase uma década explodiu o prédio do FBI em Oklahoma, posteriormente condenado à morte, assumidamente também ele cristão fundamentalista, a imprensa o chamou de “terrorista cristão”? E quando o primeiro ministro israelense autoriza a invasão do sul do Líbano e ataque ás cidades e mata mais de quatro mil civis libaneses, a imprensa não deveria também chamá-lo de “terrorista judeu”? Nesse caso, inclusive, também deveria chamá-lo de sionista.


 


 
É claro que há uma nítida discriminação na mídia grande controlada pelos imperialistas. Neste nosso caso em particular, o jornal O Globo faz apenas o jogo e atende aos interesses dos americanos. Aumenta a já grande discriminação contra árabes e muçulmanos em geral. Esse é um preconceito inaceitável.


 



Se durante anos e anos, depois da I Guerra Mundial, quando se instaurou a chamada “guerra fria”, quando comunistas e democratas, patriotas de todo o mundo foram perseguido, o inimigo a ser derrotado era o comunismo. Com a queda do muro de Berlim em 1989 e o fim da União Soviética em 1991, os ideólogos da guerra fria, os chefes do complexo industrial militar estadunidense, precisavam achar um novo inimigo. E os eleitos foram os muçulmanos. De concreto e real hoje é que boa parte dos seguidores da religião do Islã resistem ao imperialismo norte-americano. E não o fazem por serem muçulmanos. O fazem porque se sentem discriminados, humilhados pelos americanos. As bombas que lhes caem nas cabeças em várias partes do mundo são fabricadas nos EUA. Os helicópteros e aviões que atacam casas palestinas em Gaza e na Cisjordânia, são doados pelos Estados Unidos para Israel. Como não entender a reação de jovens e patriotas árabes, muçulmanos ou não, que lutam contra tudo isso? Como ficar omisso e não apoiar tais lutas?


 



Apoio ao Hezbolláh


 


Não vejo problema algum que o Hezbolláh tenha apoio de libaneses em qualquer país do mundo que tenham imigrantes do Líbano. Esse é um partido – e o governo brasileiro assim o reconhece, como Partido e como um movimento de resistência – que tem legitimidade e ampla representatividade. Ganhou a simpatia de um país, onde apenas um terço de sua população é xiita, pela resistência encarniçada que empreendeu aos ataques israelenses por longos 32 dias. E venceu a guerra. Um exército guerrilheiro derrota militarmente um dos exércitos mais poderosos do Oriente Médio, que é o israelense.


 


 
Partidos políticos mantém contatos e apoiadores em todas as partes do mundo. Agora mesmo, o parlamento italiano foi renovado e a coligação de centro-esquerda derrotou fragorosamente o direitista Berlusconi. Italianos de todos os países, naturalizados puderam votar. O Brasil chegou a eleger um brasileiro naturalizado italiano, como senador da República. E pelo partido de esquerda chamado Refundazione. O PC Português mantém bases no Brasil e tem filiados em várias partes do mundo, assim como os grupos revolucionários que atuam na libertação da Palestina, como a FDPLP e FPLP, ou o Fatah e o Hamas, mantém contatos e apoiadores no Brasil e no mundo, onde quer que existam palestinos.


 


 
Porque essa onda contra o Hezbolláh e os muçulmanos? É para justificar os cada vez maiores gastos militares dos Estados Unidos. É para justificar a guerra. É para justificar a diplomacia da força, da violência, da negação dos direitos humanos, das prisões ilegais e sem mandato, da institucionalização da tortura, especialmente nas bases de Guantánamo e Abu Ghraib.


 


 
De nossa parte, não aceitamos isso. Em diversas colunas nestes cinco anos que escrevemos neste espaço já tratamos da religião islâmica, apesar de não termos preferência por religião alguma. Vemos no Islã a religião mais tolerante que conhecemos. E vemos isso a partir de estudos e pesquisas que realizamos com mais de dez religiões. Judeus, cristãos e muçulmanos vivem em paz desde o início do advento do Islã, do que eles chamam do fechamento do ciclo profético, com as revelações dadas à Mohhamad (Maomé para nós ocidentais), pelo arcanjo Gabriel. O islã é uma religião do ramo mosaico. Reconhece todos os profetas do judaísmo, bem como Cristo e os respeita a todos.


 


 
Todos os grandes historiadores comprovam que de todos os impérios – e império é sempre ruim para um povo que vê sua terra ocupado por outro – o árabe-Muçulmano foi o menos ruim e o que menos impôs a sua cultura e sua língua. Veja o caso da Andaluzia (Al andaluz, na Espanha muçulmana por mais de 700 anos).


 


 
Deixamos aqui neste espaço os nossos protestos contra a discriminação a que a comunidade muçulmana foi e vem sendo submetida. Defendemos o direito líquido e certo de filhos e descendentes de árabes, sejam eles do Líbano ou da Síria, ou de qualquer país do mundo, de remeterem recursos para suas famílias que ficaram no país de origem. Mais defendemos mais. Que todos os filhos e netos de árabes e de outras comunidade, cujos países de origem encontrem-se em luta, em guerra, resistindo à ocupação estrangeiro, defendemos o direito inalienável de se integrarem aos movimentos libertadores de resistência para libertar os seus povos da dominação. Abaixo toda e qualquer discriminação. Viva a liberdade e a independência dos povos de todo o mundo.


 


Nota


(1) Edição nº 460, de 12 de março de 2007, reportagem de Matheus Machado e Murilo ramos, da página 26 até a página 35.



 

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