Um fio de bigode

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Confiança é coisa que não se compra. Nasce espontaneamente. Antes era artigo de relevância. Morava na palavra das pessoas, num fio de bigode. Na maioria das vezes não precisava de comprovação. Não dependia de escritura, certidão lavrada em cartório, firma reconhecida. Estava ali estampada em quem era confiável. Se a pessoa fosse ao açougueiro, o de confiança, podia saber que não lhe venderia acém por picanha. Se fosse ao armazém, podia confiar, as anotações no caderno de devo-e-pagarei seriam conforme o consumido. Nenhuma caixa de fósforos a mais. Isso era vigente também nas relações familiares. O pai podia confiar que o filho não contrataria marginais para assaltá-lo enquanto dormisse. Não corria o risco de ser seqüestrado e até morto com a ajuda de familiares. Parece que até Deus era mais confiável. Não vivia espalhando catástrofes como sucede hoje em dia. É certo que sempre, conforme os cronistas das coisas celestes, reservava punições individuais ou coletivas para quem o desagradasse. Mas não era coisa de todo dia. Uma Sodoma aqui, uma Gomorra ali, um diluviozinho acolá. Umas reprimendas em um Jó aqui, uns beliscões num faraó acolá. Nos últimos tempos no meu ver anda derramando das medidas. Parece que o criador também se atualizou, abandonou sua natural parcimônia. Não são poucos os exemplos de sua gestão imprevisível das coisas do mundo. Olha aí, para o vivente se assombrar, tisunames, terremotos, furacões, deslizamentos de encostas, alagamentos, enchentes, gripes aviária, suína… Desastres aéreos, balas perdidas, tiroteios, acidentes automobilísticos e, tome pragas. Não são apenas as sete do Egito com que protegia seu povo eleito. São pragas inumeráveis que não só mostram o seu descontentamento para com a própria criação, mas, sobretudo corroem a possível confiança das criaturas. Talvez o Incriado tenha sido convencido pela mídia. Não é difícil vender cerveja e automóvel com bumbuns exuberantes na televisão. Por isso, para continuar atraindo adeptos ao paraíso que anda meio insosso, esteja promovendo queimas e liquidações em alguns templos que prometem multiplicar o dinheiro dos fiéis investido em antecipações da glória eterna para usufruto aqui mesmo. Ponha sua casa, seu carro, sua poupança na pira santa e receba um prêmio maior da quina, da sena. Tudo para gozar agora mesmo, sem preliminares de penitência e cilício. O certo é que a mídia aconselha que, em caso de necessidade, procure o fornecedor de confiança. Se for ao supermercado, olhe com atenção o tempo de validade dos produtos, o peso, os componentes. Mesmo sem ter como conferir, você terá a sensação de que está se deixando ludibriar com sua concordância. No posto de combustível é o mesmo. Você não sabe o que está comprando. Mas sabe que a cada dia paga mais caro pela mistura que enfiam no tanque de seu veículo. Até os fabricantes já adaptaram os motores para consumir qualquer tisana ou resto de fritura. Não faz mal porque o carrinho novo não aguentará dois Natais, embora você tenha que pagá-lo em oitenta meses.

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