Um livro para o túmulo de Cilon Brum, desaparecido do Araguaia

Araguaia, Xambioá, Marabá, Partido Comunista do Brasil, Maurício Grabois, Ângelo Arroyo, João Amazonas, Elza Monerat, Osvaldo Orlando da Costa (Osvaldão), […]

Araguaia, Xambioá, Marabá, Partido Comunista do Brasil, Maurício Grabois, Ângelo Arroyo, João Amazonas, Elza Monerat, Osvaldo Orlando da Costa (Osvaldão), Dinalva Oliveira Teixeira (Dina), Criméia Schmidt de Almeida, André Grabois, Bérgson Gurjão Farias, Helenira Resende, Maria Luiza, Jaime e Lúcio Petit, Glênio Sá, Micheas Gomes de Almeida (Zezinho do Araguaia), Carlos Danielli, José Huberto Bronca (Zeca Fogoió), Paulo Mendes Rodrigues (Paulo), João Carlos Haas Sobrinho (Juca), entre tantos militantes, guerrilheiros e camponeses.[1]

Todos, mas todos eles mesmos, cada vez mais conhecidos pelos brasileiros. Nomes que negam o discurso conservador de que o povo brasileiro é acomodado, máxima das classes dominantes do País. Fazem questão de esconder Zumbi dos Palmares, a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, as lutas pela Independência econômica que o Brasil persegue até hoje. Tentam negar ou descaracterizar a Revolta dos Malês, a Balaiada, a Cabanagem, a Farroupilha, o fim da escravidão, Canudos, Contestado, o Tenentismo, a Aliança Nacional Libertadora de 1935, as Ligas Camponesas, o MASTER e o MST, Trombas e Formosos, a Campanha da Legalidade, as lutas contra o Estado Novo e a Ditadura Civil-Militar, as “Diretas Já” e o Impeachment de Collor, a Eleição de Lula em 2002 e muito mais.

Mas o processo histórico de conscientização dos índios, dos negros, dos proletários, das mulheres e tantos outros segmentos e classes sociais em luta por sua libertação, massacrados, presos, torturados e exilados pelos opressores tem teimado em se levantar.

Não adianta! A Guerrilha do Araguaia (1972-1975) está nas páginas de nossa História, nas entranhas de nossa formação social e econômica. Apesar de muitos livros didáticos ainda a esconderem, apesar da parte da historiografia e das ciências sociais a omitirem, os acontecimentos dos Araguaia estão vivos. E viva está a memória sobre os guerrilheiros mortos.

Viva porque a morte física dos guerrilheiros do Araguaia resultou na continuidade dos ideais por liberdade e democracia, ainda inconclusos em nosso País. É LIBERDADE E DEMOCRACIA SIM, aos que tem tentado igualar ditadores e torturadores com aqueles que deram suas vidas para, inclusive, vocês poderem falar até de Ditadura sem responder a inquéritos policiais militares.

Aqui, resta apenas a triste marca daqueles que tem sido citados como referência pelos que praticaram ou continuam defendendo o Terrorismo de Estado praticado no Brasil entre 1964 e 1985.

As próprias Forças Armadas, porém, registraram em seus anais: a Guerrilha do Araguaia foi “o mais importante movimento armado do Brasil Rural”. Por isso mobilizaram mais de vinte mil militares para derrotar menos de cem guerrilheiros, os quais foram para a região de Xambioá-Marabá a partir de 1966, com o objetivo de enfrentar a Ditadura pela estratégia da Guerra Popular. Falar do Araguaia para as novas gerações é reviver aqueles dias de luta de muitos brasileiros que ali tombaram. Não por “idealismo”, mas pela consciência engajada de que muito deveria ser feito para terminar com as práticas fascistas pelas quais passava o Brasil daqueles tempos.

Sob o comando do PCdoB, inspirados na Revolução Chinesa, dezenas de militantes e quadros, perseguidos e negados em seus direitos políticos saíram de várias cidades para organizar outros lutadores sociais do Sul do Pará e o norte de Goiás, atual Tocantins. Quando a repressão os procura, foi lançada as reivindicações da União pela Liberdade e pelo Direito do Povo (ULDP), em 1970.

Dois anos depois, em abril de 1972, descobertos, inicia o combate aos guerrilheiros e dos combatentes contra os militares, derrotados inicialmente. Em setembro do mesmo ano, novos contingentes das Forças Armadas instauram o medo o terror, torturam camponeses, mas não conseguem derrotar os destacamento de resistência.

Mas a partir de 1973, a repressão recrudesce, até com especialistas vindos do exterior e treinados no combate à luta pela libertação do Vietnam. O mapeamento da região pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) e o cerco do território da Guerrilha, impõe no Natal deste ano a principal derrota, eliminando a Comissão Militar dos guerrilheiros e matando mais de vinte combatentes.

Para São Sepé, uma cidade do centro do Rio Grande do Sul, e a família Brum, o Araguaia lembra Cilon Cunha Brum (Comprido ou Simão), desaparecido justamente naquele momento. Lembra uma cidade que tem um túmulo e nele uma foto, mas que ainda aguarda um corpo, o corpo do menino que foi para São Paulo estudar economia e dirigir o DCE da PUC, posteriormente se transferindo para a região do Araguaia, chegando a se tornar vice-comandante do Destacamento “B” e iniciando uma História que ainda não acabou.

Depois de mais de trinta e cinco anos de busca, a família Cunha Brum começou a descobrir mais sobre o paradeiro de Cilon. Em 2009, o famigerado oficial do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió, um dos chefes da repressão ao Araguaia, admitiu para O Estado de S. Paulo que os militares executaram vários guerrilheiros capturados, entre os quais o sepeense Cilon Cunha Brum. O jornalista Lino Brum Filho e irmão de Cilon, na época, escreveu um artigo publicado no Diário de Santa Maria, chamado Sem perdão! Cadê o corpo, reivindicava Lino, em nome da mãe de ambos, dona Eloá Cunha Brum, a vó Lóia, então falecida e uma das nossas mães de desaparecidos, dos outros irmão e sobrinhos, em nome de todos nós que queremos saber o que foi feito com Cilon.

Esta trajetória agora ganha novos esclarecimentos pela pena de Liniane Haag Brum, através do livro Antes do passado: o silêncio que vem do Araguaia. Sobrinha e afilhada, batizada por Cilon na clandestinidade, em 1971. Como Liniane mesmo diz na introdução, foram necessários mais de trinta anos para que ela decidisse “enfrentar o estigma do medo e do segredo”[2], pois desde menina só fazia ouvir e lembrar do tio que fora visto pela última vez pela família justamente quando viera a São Sepé para deixar nela a missão de contar parte da história do guerrilheiro do Araguaia.

Lançado em São Paulo e Porto Alegre, na cidade de Cilon e em Santa Maria estes respectivamente em 26 e 27 de abril recente, reuniu queridos da autora, representantes dos movimentos sociais e políticos, militantes do Partido Comunista do Brasil. Todos com muita emoção e com exigência sobre o paradeiro do corpo.

Em Santa Maria, no auditório lotado da Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Santa Maria, em promoção do Departamento de História da UFSM e do Comitê pelo Direito à Memória e à Verdade, alguns complementaram os depoimentos emocionantes da mesa que teve Liniane e Lino, antes da sessão de autógrafos. Entre eles: Eduardo Rolim, ex-vereador da cidade pelo PTB, cassado após 1964, militante local da Campanha da Legalidade e militante histórico do PDT; Dartagnan Agostini, militante do PCdoB desde 1965, com passagem pelas celas da Operação Bandeirantes (OBAN), em São Paulo; Yuri Rosa de Carvalho, mestrando em História da UFSM, neto de Devanir José de Carvalho e sobrinho-neto de Derly, Daniel, Joel e Jairo de Carvalho, militantes do PCdoB, da Ala Vermelha, do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), alguns deles também mortos e desaparecidos políticos,

A noite foi um marco! Continuar divulgando o que aconteceu no Araguaia e com Cilon Cunha Brum é ajudar a construir e consolidar a memória e a verdade negada para muitos desde aqueles anos, em particular para a família Cunha Brum.

Quando a exploração social deixar de existir no Brasil, aí sim a Guerrilha do Araguaia terá fim. Cilon Cunha Brum não!! Este nunca mais deixará de estar na História de luta de tantos brasileiros que deram a vida pelo socialismo, que deram a vida para que continuemos em frente, pois como já disse Moacyr Oliveira Filho, em artigo neste Portal, parafraseando a autora e falando do livro que foi um presente que lhe caiu no colo, “Cilon não foi enterrado. Foi semeado. Deixado em cima da terra como grão que um dia vai germinar”.[3]

Obrigado Liniane por nos dizer mais sobre isto, com a ajuda de gente traumatizada, os camponeses do Araguaia que tiveram suas casas queimadas e suas roças destruídas, como você mesmo nos conta. Até que Cilon seja encontrado, que seu livro seja depositado no túmulo de São Sepé, pois ele foi até agora o Cilon mais por inteiro que conseguimos. Obrigado por compartilhar suas cartas a Vó Lóia, a quem você contou muito do que foi sabendo desde 1971, mesmo que tenhas “adiado” a última carta. Ela agradece também, assim como a todos nós que esperávamos você, “cerzindo pedaços” para nos contar o que precisava ser dito neste livro extraordinário com tanta “dor e beleza (..) esse tempo antes do passado (…) sempre o lugar do tio Cilon. O recanto dele, íntegro e inteiro. Um lar onde passamos a limpo sua vida e feições. Nosso canto de polir palavras com panos plácidos e puros. E ponto”.[4]

Notas

[1] Aqui e em algumas passagens adiante, incorporo e atualizo alguns trechos de um pequeno artigo, em uma publicação “singela e amorosa”, como disse Jussara Cony, organizadora de um pequeno livro que homenageou Cilon Cunha, em 2003. Ver: KONRAD, Diorge Alceno. Araguaia: lutando pela liberdade e pela democracia. In. Para não esquecer Araguaia. Em memória do gaúcho Cilon. 1973-2003. Porto Alegre:Gabinete da Deputada Jussara Cony – PCdoB/Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 2003, p. 7 a 10.

[2] BRUM, Liniane Haag. Antes do passado: o silêncio que vem do Araguaia. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2012, p. 11.

[3] OLIVEIRA FILHO, Moacyr. Cilon não foi enterrado, Foi Semeado! Disponível em: http://www.vermelho.org.br/ce/noticia.php?id_noticia=180803&id_secao=1. Acesso em 29 abr.2012.

[4] BRUM, op. cit., p. 255 e 260.

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