Um Neowestern glauberiano da Turquia

O Neowstern “The law of the border” e o documentário “Em busca de Anselmo”

Filme "The law of border" | Foto: Divulgação

Tive o prazer de ver hoje o filme “The law of the border” (A lei da fronteira), que tem um título no seu país de origem, a Turquia, mas eu não consegui nem copiar. Está na plataforma Mubi agora. A direção é do cineasta turco Lütfy Ömer Akad e foi lançado no ano 1966, justamente quando estava fazendo sucesso o cinema do baiano Glauber Rocha. O estilo que está nesse “A lei da fronteira” está bem próximo do cinema que fazia o brasileiro e com sucesso internacional.

Lütfy Ömer Akad foi buscar a vida rural na Turquia com a sua extrema violência. Ele escolheu pessoas bem próximas de uma realidade onde temos na verdade uma grande ternura entre as pessoas, mas ao mesmo tempo grande violência. Os mais poderosos não se comportam com gentileza, aparentemente para que sejam obedecidos. Quem é do Nordeste brasileiro e viveu conviveu nos anos 1960 saberá encontrar nesse filme turco o mesmo estilo que temos em um “Deus e o Diabo na terra do sol” e outros filmes de Glauber. Os intérpretes dão a impressão de terem uma grande autonomia de comportamento. Em determinados momentos, param diante da câmera agressivamente. Na verdade, é o ator intérprete que agride e não a câmera que o agride. Não é o fato de a câmera ser algo novo de certa forma que faz com que as pessoas fiquem temerosas com ela. Ao contrário.

E esse turco Lütfy Ömer Akad, embora tenha uma aparência grande de raça branca, se comporta comandando a câmera como um mestiço. Talvez faça parte da cultura turca e que eu realmente não conheço. Inclusive, não me recordo de que ter visto nos anos 60, quando era crítico do Jornal do Commércio, algum filme desse cineasta. Mas numa simples visão atual, numa cópia restaurada do filme consigo reencontrar um cinema sem dúvida glauberiano. E ele traz não só a marca estrutural do cinema que chamavam neowestern glauberiano, como também o que chamamos conteúdo trágico ou social. Algo fundamental nesse cinema é que os personagens demonstram como a vida do poder e da glória – de deus e do diabo – está bem misturada. As pessoas personagens humildes, digamos, são também violentas, embora num filme clássico de Nelson Pereira dos Santos o camponês seja mostrado como submisso e isso está no livro de onde vem o filme. Em “Vidas secas”, temos uma cena famosa que alguns interpretam como de covardia. Mas não, é claro. É puro comportamento dentro da violência.

Esclarecimento: um amigo novo, Walter Eudes, me fez a pergunta de se as crônicas que eu publico agora no facebook e no Vermelho são antigas, que eu estaria republicando. Na verdade, todas são escritas no dia registrado aqui no pé da matéria. Com dificuldade, claro, mas continuo publicando coisas feitas na hora. Isso com a ajuda direta de Marco Queiroz, economista e conhecedor de muitas atividades úteis e inúteis, e de Urariano Mota, escritor e também jornalista e copidesque exclusivo.

Olinda, 05. 05. 22

Em busca de Alnselmo (I)

Foto: Divulgação

Estou marcando que este comentário é o meu primeiro sobre a série “Em busca de Anselmo” pelo fato de que apenas vi os três primeiros episódios. Quando tiver oportunidade de ver os dois últimos, farei novo comentário.

Antes, pensei que a série teria como um dos produtores o cineasta pernambucano Camilo Cavalcante, mas é outro Camilo Cavalcanti, esse com i. Na realidade, o tema central seria o episódio do assassinato de seis jovens durante a ditadura, aqui em Pernambuco. Um fato policial e terrorista cometido pela ditadura militar de 64, que mexeu sem dúvida profundamente com todos nós viventes em Pernambuco. No meu caso, que era jornalista e participante da vida social e política do Recife, pode ser comparado com algo que está acontecendo em sua própria família.

Quem me alertou para ver essa série que passa na HBO foi o amigo escritor Urariano Mota, que é um especialista no assunto Cabo Anselmo, inclusive com dois romances, “Soledad no Recife” e “A mais longa duração da juventude”, tendo o primeiro como tema principal Soledad, e o segundo, com Soledad tendo grande presença. Assim, temos que ouvir ler o que ele diz.

Um fato da série que me tocou foi uma certa anuência com o próprio Cabo Anselmo. Talvez uma série sobre o assunto do nosso lado não abordaria com tanta delicadeza essa figura política cujo comportamento certamente foi dos mais violentos dentro da própria ditadura militar. Desde a primeira cena, quando o Cabo Anselmo se levanta da cama e a cena é repetida, a direção do filme se dirige ao ator personagem com uma leveza e educação exagerada, pedindo desculpas pelo fato de repetir a cena. E o comportamento vai por esse caminho.

Enfim, a série trata de um fato político histórico, mas ninguém pode ser independente. E o olhar de cada um vai se exprimindo pelos mínimos detalhes.

Nesses três primeiros episódios, temos vários depoimentos de pessoas que conheceram o Cabo Anselmo, antes mesmo de ele ser marinheiro e o elogiam com extremo, e a própria série coloca o depoimento do personagem como alguém dono de propósitos cívicos, que não tem arrependimentos, isso pelo fato de que seus opositores seriam criminosos.

Urariano Mota coloca muito bem a figura de Soledad nos seus dois romances. Mas me parece que podemos olhá-la com uma outra visão. E se ela sabia a posição real do Cabo Anselmo e concordava com ele? Ela pode ter sido também morta pelo tipo de doente mental que era o Cabo Anselmo e preferiu então sacrificar a própria companheira pessoal. Simplesmente, como história não podemos penetrar nesse aspecto fundamental.

Olinda, 13. 05. 22

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