Um Prêmio Nobel da Guerra

Como todos sabem, meu foco nesta coluna é o Oriente Médio e o mundo árabe em particular. Mas, às vezes, temos que sair, tratando de outros temas, mas sempre de forma correlata. O tema desta semana, que não poderia deixar passar em brancas nuvens é o prêmio Nobel da Paz concedido ao presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, que deixou boquiabertos os verdadeiros defensores da paz no mundo.

Obama merece o Nobel da Paz?

Obama merece o Nobel da Paz?

Alfred Nobel, como a maioria sabe, foi inventor da dinamite (TNT, tri-nitro-glicerina), material fundamental para a fabricação de bombas e artefatos de destruição. Para a época, foi uma grande descoberta e potencializou muito as formas de matar. Dizem que, por isso, Nobel instituiu diversos prêmios com legados financeiros, decorrentes de sua imensa fortuna, que deveriam ser anualmente atribuídos aos principais cientistas e pesquisadores.

O Nobel, o maior prêmio outorgado no mundo que concede imenso prestígio a quem o recebe – e o Brasil ainda não tem nenhum prêmio –  é atribuído a cinco áreas distintas: Física, Química, Medicina/fisiologia, Literatura e Paz. Somente em 1968, o Banco Central da Suecia, instituiu o de Economia. As outorgas começaram em 1901.

Não vou aqui contar a história dos prêmios Nobel da Paz. Nem caberia. O que tenho observado é que o Comitê Nobel faz muita política com os seus prêmios. O da Paz é outorgado por decisão de uma comissão do Parlamento Norueguês. Os prêmios tradicionais são entregues em Estocolmo, na Noruega e só o da Paz é entregue em Oslo, na Suecia (não contaremos história, mas isso esta relacionado com o fato de Suecia e Noruega estarem em união política e territorial desde 1814 com o término das guerras napoleônicas na Europa e só se separaram em 1905, de forma pacífica).

Tenho a honra de ser amigo e com ele me correspondo, do chefe do Comitê Executivo do Nobel, sediado na Suecia, Berge Furre. Sei das suas posições progressistas e do Comitê. Eles não outorgam o da Paz, atributo exclusivo do Parlamento Norueguês. Mas, veja o caso da Literatura. Não há um americano laureado nos últimos 50 anos. Chega-se a falar em posições antiamericanas. E fazem política com o prêmio da Literatura. A concessão a Pamuk, laureado em 2006, por exemplo, é uma crítica ao governo turco por até hoje, desde 1915, não ter pedido perdão pelo massacre do povo armênio.

Bem, para surpresa de todo o mundo, o presidente americano, Barak Obama, foi o laureado de 2009. Não se trata de embolsar “apenas” 1,4 milhão de dólares. Trata-se de toda uma simbologia que aqui queremos tecer alguns comentários.

Nobel da Paz ou da Guerra?

É bem verdade que Obama cativou e encantou não só o povo e os eleitores americanos. Fez isso com boa parte do mundo que torceu para que o primeiro negro da história a ser presidente dos Estados Unidos, maior potência militar e econômica do planeta e membro da ala mais progressista, digamos assim, do Partido Democrata Americano.

Escrevi vários artigos sobre a posição dos candidatos americanos em 2008, em especial as suas opiniões sobre o Oriente Médio, Palestina e o Iraque. No caso de Obama, quando ainda eram seis os pré-candidatos no Partido Democrata, inclusive a Hillary Clinton, ele era o que defendia a mais rápida retirada das tropas do Iraque. Falava entre três e seis meses.

Bem, a surpresa que o mundo viveu sobre a outorga do Prêmio Nobel da Paz para Obama foi exatamente com relação às suas ações governamentais pela paz. Ele não disse a que veio ainda. Neste exato momento que ele é laureado pelo Comitê Nobel, conduz duas guerras. A do Afeganistão, desde 2001, outubro e a do Iraque, desde março de 2003.

Ora, a maior contradição hoje vivida pelos que lhe atribuíram o prêmio – cinco membros noruegueses – é que como é possível atribuir um prêmio pela paz a uma pessoa que conduz a guerra? A carta de Nobel que definiu a concessão do prêmio para a Paz, tem um significativo trecho que menciona que ele deve ser concedido para pessoas que contribuem ou realizam: “maior ou a melhor ação pela fraternidade entre as nações, pela abolição e redução dos esforços de guerra e pela manutenção e promoção de tratados de paz” [grifos nossos]. Ora, seguramente, Obama, com seus nove meses de governo em nada contribui para a redução dos esforços de guerra. Muito ao contrário. Desde a sua posse vem martelando que devem ser enviados mais soldados ao Afeganistão. E lá estão levando uma surra dos guerrilheiros do Talibã.

No caso do Iraque, dobrou-se completamente ao complexo industrial militar dos Estados Unidos. Jogou na lata do lixo suas promessas de campanha ao eleitor americano, quando disse que em alguns meses retiraria as tropas do Iraque, ou seja, traria os soldados americanos de volta. Dobrou-se. Perdeu posições. Não consegui. Os acordos renovados com o governo títere do Iraque, do primeiro Ministro Nur El Maliki, fizeram com que Obama aceitasse retirar as tropas até dezembro de 2011! São quase três anos a mais do que ele havia prometido em campanha (levando em conta a sua posse em janeiro de 2009).

Lamentamos tudo isso. Na questão palestina a situação em nada avançou. Israel depende quase que completamente dos bilhões de dólares do tesouro americano para sobreviver e fechar suas contas todos os anos, décadas após décadas. São de três a cinco bilhões de dólares. Se multiplicarmos isso por 60 anos pelo menos, veremos quanto os EUA sustentam Israel. Há indicadores que dizem que tudo que os EUA enviam para mais de cem países do mundo a título de ajuda humanitária, Israel recebe um volume muito maior. Encontramo-nos na estaca zero ainda nas negociações de paz com os palestinos. O negociador de Obama para o Oriente Médio, Mitchell, tem dado “uma no cravo e outra na ferradura”. Ora concede uma declaração pró-palestinos e em outros momentos pró-Israel.

Esperamos que, ao longo dos anos e ao término de seu primeiro mandato, o prêmio, ora concedido, possa vir a ter justificativa. Por ora, não encontramos nenhuma. Gostaríamos mesmo de que ele fosse justo e seríamos os primeiros a aplaudir.

Aqui uma opinião muito pessoal. Nosso presidente Luis Inácio Lula da Silva teria merecido, muito mais, esse prêmio. Pelas suas ações pessoais no mundo, na África, no Oriente Médio, na América Central, enfim, pela defesa que tem feito contra o modelo financeiro de capitalismo, pelas críticas ao neoliberalismo, enfim, pela defesa que faz das articulações de países do Sul, da solidariedade aos palestinos e tantas outras ações que engrandecem e orgulham os brasileiros e nosso Brasil.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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