Um romance especial – 2666

É um livro que sempre levará o leitor crítico a analisá-lo como um “Em busca do tempo perdido” ou um “Ulisses” de Joyce

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Terminei a leitura do livro de Roberto Bolaño “2666”, isso depois de mais de um ano de leitura. Foi um livro que li em detalhes nesse tempo todo. Sempre com muito interesse. Primeiro pelas referências que li e também por ouvir algumas opiniões de especialistas de literatura. Mas também quando comecei a ler pela primeira vez foi numa versão em papel, comprada para mim em Buenos Aires pelo meu filho Luiz Cláudio Lins. Depois, parei e comecei a ler numa versão e-book, também do original em espanhol. Como diz o professor Antônio Motta, os originais dessa língua devem ser lidos no próprio original espanhol. Tive paradas, pois às vezes sentia certo enjoo do que estava lendo. Às vezes me parecia um livro para literatos ou críticos. Depois, quando meus livros e-book foram roubados pela Apple, tive que comprar na Amazon uma nova versão. E “2666” é um livro longo. Na versão brasileira em português, tem 852 páginas. E na versão e-book que li tem 1221 páginas. De fato, tem mais, porque ele só troca de página com 3 ou 4 páginas.

Na verdade, é um livro composto por cinco livros. E no próprio índice estão os livros: A parte dos Críticos, A parte de Amalfitano, A parte de Fate, A parte dos Crimes, A parte de Archimboldi. São realmente livros com autonomia. Mas ao mesmo tempo todos os cinco têm ligação com o conjunto. E nesse sentido, é um livro que sempre levará o leitor crítico a analisá-lo como um “Em busca do tempo perdido” ou um “Ulisses” de Joyce. Há a informação de que ele foi deixado pelo Bolaño quando morreu aos 50 anos de idade para os filhos como herança, e os editores resolveram lançar em um livro só. E não em cinco. Mas não há dúvida de que Bolaño o escreveu como uma obra única. Como ele era um escritor de romances policiais, claro que a estrutura do gênero policial traz uma marca muito presente. Mas os próprios livros policiais do escritor chileno não são somente livros policiais. Cada um deles demonstra que o autor vai mais além do que um livro para contar uma estória policial. Ele entra na amplitude de uma obra literária.

Escritor Roberto Bolaño | Foto: Divulgação

O livro sobre os críticos, que envolve um crítico italiano, um espanhol, um francês e uma crítica inglesa, que abre a obra, também é o mais denso. E consegue envolver narrando até que ponto críticos podem viver a vida de um escritor. É nesse livro que Bolaño diz mais sobre os meandros da crítica. E mexe não só com a crítica como crítica, mas também para mostrar a vida pessoal e em conjunto desses quatro personagens.

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Amalfitano é um professor chileno que vivia em Barcelona e termina indo morar numa cidadezinha do México. Lá reside como professor de uma Universidade e recepciona os críticos numa visita destes em busca de Archimboldi. Mas esse livro é em torno de Amalfitano, suas crises de angústia e o drama de ter trazido sua filha Rosa para o Méxio. É uma estória menos dramática, mas talvez com maior intensidade como drama psicológico.

O terceiro livro narra uma parte da vida de um repórter negro norte-americano, Oscar Fate, que trabalha numa revista em Nova York na área cultural, mas que é encaminhado para cobrir uma luta de box na cidadezinha mexicana. Talvez a estória mais pitoresca e gostosa de ler. Os personagens Fate, Rosa e Amalfitano se envolvem e com isso Bolaño consegue bom desenvolvimento no seu romance.

O quarto livro é sobre assassinatos que acontecem quase diariamente na cidadezinha do México. O livro todo é em torno desses crimes matando mulheres de forma anônima e com grande violência. Confesso que pulei algumas páginas desse quarto livro porque os crimes parecidos são narrados também de forma quase idêntica. Como foi o assassinato, quem poderia ser o autor, e deixando em suspense uma certa suspeita de coisa da máfia mexicana.

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Finalmente, o quinto livro é sobre o autor alemão que era estudado pelos críticos: Benno Von Archimboldi. Antes, ele se chamava Hans Reiter e era soldado do exército nazista, tendo participado da 2ª guerra mundial. Depois de ferido, não participou mais da guerra e virou escritor. Esse quinto livro não entra no que eram seus livros. É sempre uma estória em torno de uma figura totalmente menor, e com uma certa leveza na forma de pensar.

“2666”, embora tenha esse título meio enigmático, tem uma narrativa forte como linguagem, mas de estrutura simples e quase rotineira. Em momentos, é de uma leveza estranha e depois deixa no leitor uma forte tensão. Claro que é uma obra especial, mas não descobre uma nova linguagem para o romance. É um excelente romance numa linguagem quase já conhecida. Porém, certamente, já ficará como uma obra fundamental da literatura do século XXI.

Olinda, 04. 11. 22

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