Um vacilo na democracia e o monstro se apossou do país

Podemos, talvez, encontrar na fragilidade das nossas instituições políticas, um dos elementos que possam explicar por que uma expressiva parcela da sociedade tenha mergulhado nesse “paraíso sombrio” do pensamento reacionário e, em muitos casos, fascista

Ilustração: Flávio Luiz

Quando vemos aqueles que se dizem “liberais” continuarem apoiando o Mandrião e, para justificar, fazem malabarismos nos discursos, inventam (este é o termo) justificativas perturbadoras e muitos ainda se apegam a uma espécie de “delírio religioso” que, para mim, longe de ter uma similaridade com os fundamentalistas (de qualquer religião), são apenas um caminho de autojustificativa, que é lastreada pela mais pura cretinice, percebemos o quanto temos a trilhar em termos de sociedade avançada.

Há várias explicações, baseadas em estudos, para entender e compreender essa “escolha” pelo submundo da política, pela marginalidade, pelo apego à morte, pela aceitação da ignorância como escolha política para se posicionar, inclusive no dia a dia. Embora muitos se dizem “liberais na economia e conservadores nos costumes”, uma espécie de “Frankenstein político”, mas na realidade o que os alimenta é o reconhecimento de que a pauta anti-civilização responde pelos seus desejos insatisfeitos, pelo recalque e pelo ressentimento.

Podemos, talvez, encontrar na fragilidade das nossas instituições políticas, um dos elementos que possam explicar por que uma expressiva parcela da sociedade tenha mergulhado nesse “paraíso sombrio” do pensamento reacionário e, em muitos casos, fascista. No caso do BraZil, o entorno mais fanático do bolsonarismo, se move pela crença, o que parece ter criado uma casca dura, impermeável à razão, parecendo um novo tipo de fanatismo “religioso”.

Essa fragilidade das instituições tupiniquins pode encontrar similaridades no Velho Mundo, nos países que sofreram revezes nas tentativas de construção de um modelo socialista, no que ficou conhecido como “Leste Europeu”, e que viram emergir movimentos fascistas e neonazistas, que agora assombram aquelas sociedades. Mas também em países como França, Espanha, Alemanha e Itália, sem falar nos países nórdicos, onde emergiram partidos e agrupamentos reacionários e neonazistas, que agora chegam aos parlamentos e ameaçam, concretamente, os diversos sistemas políticos vigentes.

No caso do BraZil, onde apenas o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) chega ao centenário de existência, os demais partidos apenas existiram de forma inicial entre 1946 e 1964 e só ressurgiram a partir de 1985, depois de um longo período de repressão, que afetou profundamente a sociedade e pelo menos duas gerações, e isso, a meu ver, impactou na reorganização partidária, tornada muito fluída.

Mas se formos às raízes históricas, o próprio sistema político, derivado da base material da sociedade, baseou-se na conciliação, sempre na perspectiva da manutenção da nossa elite no poder e, por conseguinte, os grupos sociais se tornaram uma referência mais forte do que qualquer entidade política e partidária, e os 41 anos do Partido Republicano e sua forma federativa de existência, parece ter tornado uma referência para todo o movimento político-partidário daí por diante.

Os partidos, sem forte conteúdo ideológico e formado, em muitos casos, sob as bases do patrimonialismo e clientelismo, identificado com os regionalismos muito marcantes na nossa construção histórica, tornaram-se receptáculos atraentes dos aventureiros e Bolsonaro, um deputado inexpressivo, foi o escolhido pelas elites, essas sim sempre presentes no poder, para retomar as rédeas da política e, para isso, uma poderosa campanha midiática penetrou sociedade adentro, despertando os monstros fascistas, que estavam nas suas celas históricas.

Sem dúvida, vários são os fatores que nos deram esse monstro, esse ser desqualificado, esse arremedo de ser humano, totalmente desprovido de empatia com os milhares de mortos e outros milhares de sequelados; sem nenhuma identificação com os milhões que agora estão de volta à miséria, novamente mergulhados na pobreza, com seus sonhos destruídos e um futuro sem perspectiva. Mas o fato é que a sociedade está pagando caro pelo escorregão que a democracia deu.

A democracia cochilou e o monstro fascista entrou na sala de estar. Agora terá de ser expulso e retornar à selva da ignorância, mas teremos de fazer uma profunda reflexão sobre esse momento histórico.

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