Uma aula sobre a ditadura da Argentina através do cinema e dos quadrinhos

A soma das duas obras nos dá uma sensação única, nos apresenta mais que uma aula, arranca lágrimas e mostra o potencial artístico e histórico dos quadrinhos e do cinema argentino, que figuram há tempos entre os melhores do mundo.

Na História consideramos como “História Oral” o trabalho de pesquisa feito através de depoimentos orais na forma de entrevista e gravados. Thompsom (1998) dizia que a História Oral devolve a História às pessoas em suas próprias palavras. Agora imaginem se ao invés de gravar alguém desenhasse na forma de história em quadrinhos o que ouvia, em tempo real? E se essa pessoa também fosse parte da mesma História que coleta em cada depoimento, ainda assim seria História Oral? Na minha opinião, sim.

Assim o fez a argentina María Giuffra, que perdeu seu pai vitima da ditadura e decidiu coletar entrevistas de outros que foram vítimas disso também, passando por experiências similares, sendo privados de entes queridos, de suas casas, de seus país. Essa experiência deu vida ao premiado quadrinho A Menina Comunista e o Menino Guerrilheiro (Quadriculando, 2022), pensado como um material acadêmico no curso que realizava. O trabalho da autora choca pela crueza das imagens, emociona e impacta, dando um panorama sobre aquele período histórico argentino que nenhum outro livro ou publicação o fez até o momento, acaba se tornando um documento de história não-formal que desvela nuances compartilhadas com muita emoção pelos depoentes que revivem traumas e dramas únicos, capítulo por capítulo. A Menina Comunista e o Menino Guerrilheiro é daquelas HQs difíceis de descrever, um trabalho documental e com profundidade histórica que tive a honra de editar no Brasil, não devendo nada aos de Art Spiegelman (Maus) e Joe Sacco (Palestina). Nos mostra como sabemos pouco sobre a História de nações tão próximas, que tem mais em comum conosco do que imaginamos.

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Se partirmos da Menina Comunista como instrumento que nos ajuda a ver de maneira cristalina as barbaridades praticadas pela ditadura argentina contra seu povo, desfrutaremos de maneira mais plena e profunda o filme Argentina 1985 (disponível no Prime Vídeo), dirigido por Santiago Mitre, tendo como protagonista o célebre ator Ricardo Darín. A película que mostra o desenrolar do processo movido pelos promotores Julio Strassera e Luis Moreno Ocampo contra os que comandavam a ditadura militar vem sendo considerado um dos melhores filmes de 2022 e forte candidato ao Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

Cumpre de maneira plena a missão de retratar todo o processo se desenrolando na ainda frágil democracia do país e coloca na posição de réus aqueles que foram algozes de milhares. Os promotores Strassera e Moreno Ocampo reuniram uma jovem equipe jurídica para esta batalha de Davi contra Golias, sob constante ameaças a eles mesmos e as suas famílias, eles corriam contra o tempo para tentar trazer justiça às vítimas da junta militar que governou o país.

A soma das duas obras nos dá uma sensação única, nos apresenta mais que uma aula, arranca lágrimas e mostra o potencial artístico e histórico dos quadrinhos e do cinema argentino, que figuram há tempos entre os melhores do mundo. Isso ganha ainda mais força se lembrarmos que somos seres imagéticos, pautados pelo que vemos mais do que pelo que lemos, inclusive imaginando imagens quando olhamos para as letras, materializando os textos, isso foi potencializado ao extremo no século XXI, da internet banda larga e das redes sociais.

Agora é ler e assistir para poder digerir e se indignar com algo que nunca mais pode acontecer na Argentina, no Brasil, na América Latina e em parte alguma do mundo. Militares não foram feitos para governar.

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