Uma câmera na mão, uma ideia na cabeça

Audiovisuais curtíssima-metragem pedagógicos e políticos estimulam aprendizado, debate e ação coletiva.

Imagem: CSeabra/Midjourney

Com a frase “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, Glauber Rocha trabalhava na criação de uma estética cinematográfica com uma mensagem política revolucionária.

Inegavelmente, muitos dos resultados dessa combinação podem ser sofríveis, mas o processo envolvido é sempre de muita aprendizagem. Ao contrário da imagem de um gênio improvisador, a análise dos roteiros de Glauber reflete um processo minucioso de planejamento do filme pelo cineasta, na construção das personagens e na pesquisa. Os roteiros de Deus e o Diabo na terra do sol refletem um processo minucioso de planejamento do filme pelo cineasta, que realizou várias viagens pelo sertão nordestino e fez pesquisas rigorosas sobre o cangaço.

Hoje, com os celulares nas mãos de todos, em geral dotados de ótima qualidade de captação de vídeo, a frase de Glauber é quase que autorrealizatória. Porém é importante ter consciência que fazer um filme não é usar a câmera como um “aspirador de imagens” pois o material filmado exige ser trabalhado com cortes e montagem, edição e inserção de material complementar, trilha sonora, legendagem etc.

O potencial pedagógico, seja para projetos na escola ou em organizações sociais, sindicatos, movimentos políticos, é enorme. Quanto você reúne um pequeno grupo de estudantes ou militantes para a produção de um pequeno audiovisual, a definição do roteiro, o planejamento da filmagem, o trabalho de edição das imagens, a narração e efeitos sonoros, os letreiros e materiais adicionais, como mapas, fotos ou tabelas, desenvolvem habilidades e mobilizam competências com impacto nos processos de aprendizagem do grupo e de cada pessoa envolvida.

Claro que o formato curtíssima metragem (de 90 segundos a 3 minutos de duração) é o ideal. Curtas com 10 ou 15 minutos já necessitam de outra escala de produção, sendo quase torturante assistir material com essa extensão feito por amadores. Mas filmes com um minuto e meio, três minutos, mesmo quando meio toscos até dá para assistir e depois conversar acerca (parte fundamental do processo).

Mas um projeto consistente pedagogicamente deve prever uma temática condutora, um preparo antecipado dos recursos a mobilizar (desde as funções de cada um na equipe, cada um com sua tarefa específica, até as condições objetivas de filmagem, locais, recursos técnicos, especialmente para a edição do material) e, principalmente, o trabalho a ser feito após a filmagem e edição, que é o de publicação, difusão e conversas e bate-papos sobre os conteúdos apresentados e a visão de mundo apresentada em cada audiovisual.

O formato de apresentar as produções feitas pelas equipes, imaginando uma sala de aula ou uma oficina de formação de militantes de um determinado segmento de ação política, faz com que os que usaram sua câmera na mão e suas ideias na cabeça conversem com quem assiste ao que foi feito. Desde o tema do filme, que poderá ser debatido, até contar as dificuldades e aprendizados da filmagem, até a conexão com outros aspectos do mundo que se deseje trabalhar.

Organizar as pessoas assim, em formatos que podem evoluir para algo com mais regularidade – tipo cineclube –, tem um rico potencial de estimular a organização coletiva, em cima de um material cuja produção, disseminação e discussão facilita muito um trabalho cultural e educacional. Cineclube é uma forma de você exibir e debater sua produção ao vivo com outras pessoas, exibições periódicas e, principalmente, um coletivo organizado democraticamente, sem fins lucrativos. Pensar em fazer um filme é um projeto mobilizador, filmar e editar o vídeo é levar à realidade a sua ideia, publicar seu filme online e exibi-lo em sessões presenciais é dar sentido à produção. Um projeto educacional ou político fortalece a principal razão de existir de um audiovisual: ser assistido, comentado e divulgado para mais pessoas.

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