Unida, América Latina triunfa

Unida, América Latina triunfa. Esse é o lema da 15ª edição do Congresso Latino Americano e Caribenho de Estudantes (CLAE) que vai ser realizado na cidade de Quito, capital do Equador, entre os dias 12 e 17 de novembro desse ano. Nessa oportunidade milhare

A Organização Continental Latino Americana e Caribenha de Estudantes (OCLAE) em suas instâncias deliberativas e através de seu secretariado geral – composto por entidades nacionais de distintos países – aprovou o eixo da unidade latino-americana como questão central na luta por uma verdadeira integração dos povos e nações da região, realçando a educação como uma ferramenta imprescindível nesse propósito, principalmente no novo momento político que vive nosso continente.


 


A história do movimento estudantil latino-americano está prenhe de exemplos de campanhas chaves, decisivas em muitos países, que contaram com a ação consciente e contundente dos estudantes. Podemos citar um dos mais famosos, conhecido como “El Bogotazo”, que ocorreu em abril de 1948 em meio a uma tentativa de se realizar mais um congresso continental e que acaba tendo um desfecho trágico, num dos episódios mais sangrentos do movimento social mundial, na capital colombiana.


 


Mas bem antes a esse acontecimento, já no começo do século passado, estudantes de vários países já se organizavam localmente e reclamavam por ações capazes de aglutinar as entidades congêneres do continente a lutarem por uma nova educação e combater as injustiças sociais. Defendiam, desde então, uma luta conjunta mais sincronizada entre as entidades estudantis contra o sistema elitista da educação vigente e por um reforma universitária ampla capaz de rever conceitos acadêmicos, administrativos e políticos nas universidades. Algumas dessas bandeiras estão pontualmente narradas no Manifesto da Federação Universitária de Córdoba, escrito em 1918 e que mantém uma admirável atualidade, onde entre outras progressistas reivindicações defende-se “… a soberania no mundo universitário, e que o direito de escolher seus próprios dirigentes seja atribuído também aos estudantes”.



 
Dessa forma, a pretensão de organizar a luta estudantil em todo o continente vem de longa data e o primeiro Congresso Universitário Americano (enfrentando inúmeras dificuldades), realiza-se em Montevidéu, Uruguai, em 1908. Num grande esforço de se manter a regularidade desses eventos, acontece o segundo Congresso na capital Argentina, em 1910 e um terceiro em 1912, na cidade de Lima, Peru.


 


Mas é somente em 1955 que se realiza o primeiro Congresso Latino Americano de Estudantes (CLAE), mais uma vez na cidade de Montevidéu, que dessa vez vai ser o marco de uma trajetória que culminará com a fundação da OCLAE em 1966, por ocasião do 4º CLAE realizado em Cuba.


 


Essa rica história de lutas dá-se cabo hoje em um novo e complexo contexto histórico. A oportunidade de compartilhar experiências e prestigiar o saudável intercâmbio de idéias e interpretações sobre o quadro político regional na atualidade, sinalizando a uma plataforma de ações unitárias em torno de um programa anti-neoliberal, democrático e progressista para o continente, mostra-se vital ao movimento estudantil nessa nova quadra política. O Congresso da OCLAE será mais um momento de reafirmar a necessidade de se continuar, e mais que isso, ampliar as lutas por mudanças progressistas vividas com mais intensidade em alguns países cujos representantes diletos das classes dominantes foram derrotados nas últimas eleições, como foi o caso da Argentina, Uruguai, Brasil, Equador, Venezuela, Nicarágua, Chile e Bolívia. Nesse sentido, é importante travar o fraterno debate sobre as diferentes realidades de cada país e suas limitações – ou mesmo as correlações de forças locais – capazes de permitir a implementação de um projeto mudancista mais profundo, de caráter nitidamente antiimperialista, e as alternativas para se lograr os objetivos comuns levando em conta essas especificidades.


 


Assim sendo, a educação deve ser encarada como assunto estratégico para as nações e para os povos que lutam por emancipar-se do jugo colonialista imposto pelo imperialismo durante séculos. É questão de Estado Nacional e serve à construção de valores e da cultura de um povo. Sem um sistema educacional e científico autóctone sólido e acessível ao povo é praticamente impossível existir uma verdadeira emancipação e uma integração regional inclusiva e inserida em um mundo marcado pelo hegemonismo dos países ricos que impõem sua dominação ideológica, por diferentes métodos e meios.


 


A formação acadêmica e intelectual dos povos da América Latina e a reafirmação de suas culturas são merecedoras de atenção especial, mesmo que não reflita ou responda às demandas imediatas – por isso mesmo seu caráter estratégico – e é imprescindível na diminuição das principais vulnerabilidades dos países.



 
Todavia, quando o assunto é integração regional, pouco ainda se fala das assimetrias entre os países no campo da educação e da ciência. Nas cúpulas de chefes de estado ou representantes de governos envolvendo iniciativas como Unasul, Alba ou Mercosul, outras pautas ganham quase que exclusividade.



 
Nas cúpulas sociais as entidades estudantis estão quase sempre solitárias a defenderem a inclusão da pauta educacional e científica na vasta agenda voltada à integração da infra-estrutura de transportes, energia, commodities, comércios de bens e serviços, propriedade intelectual, regras sobre investimentos, questões aduaneiras e outros temas econômicos (também importantes), como outros projetos de curto ou médio prazo.



 
É justamente a formação de recursos humanos capacitados, voltados para o desafio da retomada de um ciclo de desenvolvimento regional, embora seja uma política em longo prazo, que precisa ser concebido de forma especial. Também a capacitação de pessoal de nível superior visando formar um contingente de pesquisadores e cientistas têm grade relevância na superação de várias vulnerabilidades que assolam muitos países.


 


Por ocasião do VI Encontro Internacional do Fórum Universitário Mercosul (FoMerco), realizado na cidade de Aracaju, entre 12 e 14 de setembro último, foi divulgado o funcionamento do Instituto Mercosul de Estudos Avançados, iniciativa patrocinada pelo governo brasileiro com o intuito de promover e incrementar pesquisas e atividades educativas voltadas para a integração regional sul-americana. Trata-se de um exemplo de uma louvável iniciativa que deve ser acompanhada de outras ações nesse campo e que não guarda nenhuma contraposição a outra pautas de cunho mais técnico ou econômico, pelo contrário, existe uma importante complementaridade.


 


Como afirma o professor da UNESP, Marco Aurélio Nogueira, “um instituto com este perfil pode erguer mais alto a bandeira da integração pelo conhecimento, ou seja, valorizar o conhecimento (a cultura, a ciência, as artes) como alavanca estratégica da integração, com o que se alteraria a qualidade mesma do processo em curso até aqui”¹.


 


Uma política educativa e científica deve ser parte integrante de um programa avançado para a América Latina e Caribe. Para conquistá-la, são duas as tarefas principais que o movimento estudantil tem pela frente: resistir (e em alguns casos reverter) às tentativas de mercantilização do ensino superior que, todavia continua sendo impostas, notadamente pelo os Estados Unidos e lutar por uma profunda Reforma Educacional e do Ensino Superior capaz de formar mais e melhores profissionais, fixando-os na região.


 


De igual maneira outros temas serão abordados com igual atenção nesse Congresso. O contraste vivido por um continente que goza de 15 milhões de estudantes universitários (60% concentrados em Brasil, México e Argentina) e ainda convive com cerca de 37 milhões de analfabetos é outro assunto importante que devemos debruçar a estudar a melhor forma de combater ².


 


Desde longa data o movimento estudantil vem travando uma empedernida jornada contra a inclusão da Educação Superior nos acordos do GATS promovidos pela Organização Mundial do Comércio e em defesa do compromisso social da universidade pública, gratuita. Essa luta encontra firme e estratégica parceria com setores da academia progressista, notadamente o Grupo Montevideo, e conforme afirma a declaração do Congresso Internacional de Reitores Latino-americanos e Caribenhos ³ realizado recentemente na cidade de Belo Horizonte, Brasil, comungamos da opinião de que “a educação superior deve fortalecer sua função na sociedade, e mais concretamente suas atividades destinadas a erradicar a pobreza, a intolerância, a violência, o analfabetismo, a fome, a degradação do meio ambiente e as enfermidades, principalmente mediante uma abordagem interdisciplinar e transdisciplinar para analisar os problemas e as questões propostas”. Tal compromisso social das Universidades da América Latina e Caribe entende-se como a “implementação de políticas institucionais, que adotem o princípio da educação como bem público, socialmente referenciada, em consonância com os valores da qualidade, pertinência, relevância, inserção e eqüidade, como direito universal”.


 


Os desafios são enormes, mas a certeza de que o movimento estudantil (em conjunto com os demais setores progressistas dos movimentos sociais) mais uma vez estará à altura desses propósitos nos faz reafirmar, convicta e resolutamente que unidos nesses propósitos América Latina triunfará.


 


NOTAS:


 


¹ NOGUEIRA, Marco Aurélio. In: A integração pelo conhecimento. O Estado de São Paulo, 22/09/2007.


² Cifras baseadas sobre séries 2000 – 2004 / Informe UNESCO de segmento EPT no mundo 2006.


³ Declaração do Congresso Internacional de Reitores Latino Americanos e Caribenhos – IESALC/Unesco e UFMG. Belo Horizonte,  16 a 19 de septiembre de 2007.


 

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