Violência: um dedo a mais na polêmica

“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. (Bertold Brecht). Com esta reflexão inscrevo-me neste polêmico debate. Também de maneira polêmica, se me for permitido.


 

Quantas pernas há na centopéia batizada de violência? As armas, as classes, o Estado Democrático de Direito, a renda, o acesso ao trabalho, o acesso aos alimentos, os excluídos, os filhos deprimidos das classes médias e altas, o marido e a esposa traídos, o menor pobre de conduta desajustada, a moral e os valores sociais vigentes, a banalização da vida, a quebra do sagrado amor ao próximo e da solidariedade, o lucro acima de tudo, a corrupção entre os grandes negociadores, a máfia pública ou política, o tráfico de entorpecentes, a segurança dos policiais, os mercados e negócios clandestinos ou denominados “negros”, a exclusão racial e a violência contra a mulher, a violência de classes, a legalização do abatedouro humano batizado pelo estado na criação de Leis como na emenda 03, a contradição nos governistas que não matriculam os filhos em escolas públicas, os pais que se perdem no atendimento displicente de médicos nos hospitais, preocupados com seus grandes negócios, o modelo predatório do sistema capitalista, as conseqüências da “Globalização”, entre outras tantas reflexões cotidianas individuais, familiares ou coletivas que podemos fazer partindo de exemplos nossos ou de vizinhos, amigos ou alguém cuja história nos alcançou.  



Normalmente os mais apressados determinam que o assunto não exige reflexão filosófica. O tema é “cara-crachá”, polícia na rua, forças especiais para os bandidos e se é pra radicalizar, então que se ponha o exército na luta contra os “marginais”.



Quem são os bandidos? Onde eles estão? Contra quem é a minha luta? Existem armas sociais que violentam mais e matam mais do que as de fogo e as brancas?



Neste debate eu estou com muitos autores que se apegam à filosofia para dar respostas exigentes, de argumentações e reflexões profundas, de uma necessidade e urgência que nossa sociedade ainda precisa fazer. John Lock, Thomas Hobbes, Rousseau, Montesquieu entre outros tantos afirmaram a necessidade do aparelho de Estado para garantir através da associação dos homens o fim da situação de Guerra existente de indivíduo para indivíduo.
Ora, é visível o bom funcionamento de uma determinada associação (sociedade) até o momento em que o estado de Guerra é declarado do Estado para com os seus membros.



Aqui entra outra linhagem de filósofos como Hegel, Marx, Engels e Lênin, cuja visão retoma o princípio primeiro da necessidade da associação e das características do funcionamento do Estado como aparelho social. Os homens se constituem em sociedade política para garantir sua sobrevivência através de questões básicas e necessárias como comer, beber, vestir, morar, educar, ter saúde, lazer, entre outras coisas da subjetividade humana. Tão objetiva como a arma, a bala e o pensamento que articulou o dedo que puxou o gatilho ou que apoiou a caneta que assinou a lei e sancionou a degradação de milhares, enquanto se valida que alguns poucos banqueiros lucrem e se apropriem, em um ano apenas, do equivalente das nossas riquezas produzidas da ordem de 28,3 bilhões de reais. 


 


Para esta linhagem de filósofos ao tomar tais posicionamentos o Estado não corresponde mais ao interesse geral da sociedade, mas apenas ao de uma pequena parte que até já resolveu suas necessidades básicas, porém, busca a todo custo acumular riquezas impedindo que outros indivíduos tenham suas necessidades de sobrevivência resolvidas, criando para isso uma violência legal e institucionalizada e contrariando o bem comum.


 



Neste sentido, é preciso rever não só determinados problemas surgidos, mas buscar a causa de tais problemas, a origem, o porquê de uma sociedade tão ampla na produção de riquezas, produzir no seu interior, na sua distribuição tanta miséria, tanto degredo, a quebra do resguardo do bem-estar social e por conseqüência tanta violência.


 


Então talvez, como já aconteceu na história, cheguemos à conclusão que o Estado deixou de cumprir com sua principal finalidade: a paz social. E para tirar a corda do pescoço, o alvo das costas ou a bala perdida premiada do meu bairro, é preciso mais do que rever a lei da menoridade penal – refletindo que maiores de 18 anos são responsabilizados por crimes diante das leis penais e mesmo assim matam – que a magistratura responsável pelo resguardo das leis, recebendo para isso bons e públicos salários, envolvem-se nos esquemas ilícitos do capital, que representantes patronais cientes que prejudicarão centenas de milhares de pais de família legalizam atos espúrios em leis constitucionais para retirar conquistas históricas (férias remuneradas, carteira de trabalho assinada, auxílio-transporte entre outros); Leis como o Estatuto do Desarmamento. Mais do que rever se devemos andar desarmados ou armados pelas ruas, em nossas casas à espera de alguém que nos venha fazer mal, rever então, por necessidade, a própria sociedade. Esta que já não consegue nos dar paz. Acredito que esta é a visão que prevalece hoje no Brasil.  


 


E para resguardo contra os que afirmam serem arcaicos tais filósofos, uma última reflexão do teólogo Leonardo Boff “(…) os causadores principais da violência estrutural (as classes dominantes que controlam o ter, o saber e o ser) sentem-se tanto mais seguros quanto mais duramente se aplicam as leis contra os marginais. Assim conseguem fazer esquecer que são os principais causadores de uma situação permanente de violência”.


 



Ele afirma ainda que o equilíbrio que nossa sociedade goza é frágil e ainda a publicidade enfatiza que alguém é mais alguém quando consome um produto exclusivo que os outros não têm. Cria-se uma relação social violenta porque exclusiva. Enquanto perdurar esta lógica, prosseguirá o processo vitimatório.
Então concluo que tal debate não deve ser superficial, apesar de urgente, e nem deve desconsiderar as margens que comprimem ondas que realizam efeitos dramáticos. Ao tomarmos medidas para sairmos da inércia, pensemos também a totalidade, sob pena de nos encaixarmos numa visão de Fernando Pessoa que dizia:


 


“(…) Mas doente, e, num crepúsculo de espadas,
         Morrendo entre bandeiras desfraldadas
         Na última tarde de um império em Chamas.”

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