Vitória do sionismo em Durban (2)
Muito se falou das repercussões da fala do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. A imprensa, quase toda controlada ou pró-sionista tentou enfatizar os aspectos possivelmente discriminadores de sua fala. Mas, no fundo, a tentativa foi de esconder, com um
Publicado 30/04/2009 20:01
Vitória ou derrota na Conferência revisora de Durban?
Aqui não há consensos sobre isso. Mas, devemos ter uma opinião. Ainda que possamos entender como até positivo alguns aspectos da (magra) declaração final, o pano de fundo que gostaria de apresentar aos nossos leitores é sobre a vitória do sionismo, mesmo que este não estivesse presente no evento, que contou com a presença de 185 países.
Conforme já dissemos semana passada, vários e importantes países boicotaram a conferência de forma antecipada. Outros se retiraram durante a fala do presidente iraniano. Por si só, o boicote já demonstra a força que possui o sionismo político em plano mundial nos dias atuais. Mas, a retirada logo na abertura, em protesto contra o discurso contundente de Ahmadinejad mostra ainda mais essa força. E a mídia deu imenso destaque para a retirada dos delegados (1).
Aqui se vê a força do sionismo. Obama, recém empossado, seguiu rigorosamente a linha traçada pelo seu antecessor Bush, que já coordenava o boicote. Perdeu uma oportunidade de ouro, no maior espaço, no mais importante fórum de discussão e de denúncias contra as práticas racistas ainda vigentes no mundo.
Convocada para durar cinco dias estava praticamente morta no segundo dia, a partir das 16 horas quando Ahmadinejad iniciou seu discurso. As ONGs, entidades de várias partes do mundo quase não tiveram voz nem voto, pouco puderam participar. Ficaram, em sua maioria, estupefatas com o esvaziamento da Conferência, que se propunha a fazer a revisão da primeira, realizada em Durban, África do Sul, há oito anos.
Qual foi o centro pela qual os países pró-sionismo se doeram? Foi quando Ahmadinejad acusou – sem mencionar o nome – a Israel de “tornar sem lar uma nação inteira sob o pretexto do sofrimento dos judeus”. Aqui é o cerne da questão. Todos sabemos que um dos motivos que levou a URSS a apoiar a criação de Israel em 1947, foi a comoção mundial pela matança de seis milhões de judeus (além, claro, de comunistas, cristãos, ciganos, homossexuais, deficientes etc.). E isso é fato documentado, não se discute.
No entanto, o que todo movimento anti-sionista no mundo discute é que a construção de um país, de uma nação para um povo sem terra não poderia nunca desterrar outro povo milenarmente morador de uma terra, como o caso do povo palestino na sua terra, a Palestina.
Presente à reunião, o ex-procurador geral dos Estados Unidos, o democrata Ramsey Clark, advogado e vigoroso combatente da invasão do Iraque de 2003, foi um dos que ficaram estarrecidos com a saída orquestrada dos europeus da reunião. Comparou essa saída em fileiras dos representantes como uma firme defesa dos ex-poderes coloniais e da intolerância racista. Afirmou que a fala do presidente do Irã chamou a atenção de todos para o problema racial em Israel.
Foi lamentável as declarações da presidente do evento, Navy Pillay, comissária de direitos humanos da ONU, o secretário-geral, Banki Moon, sem exceção, falaram de forma orquestrada criticando o Irã. E até a diplomacia brasileira equivocou-se ao alinhar sua voz ás críticas contra o presidente do Irã, que visitará o Brasil nos próximos dias e – esperamos – será bem vindo.
Até a delegação palestina estava na defensiva, mesmo antes do início da conferência. A correlação de forças nos é ainda extremamente desfavorável. Há notícias de que Riad Al-Maliki aceitara minimizar as menções à questão palestina no documento final, muito “supervisionado’, como se diz na diplomacia. Ou em linguagem futebolística, “marcação homem a homem”.
Houve divisões entre as ONGs e movimentos sociais presentes. Algumas apoiaram abertamente o discurso outras somaram as suas vozes com as do império e da mídia pró-sionista. Apesar disso, houve uma conferência paralela, onde foi chamado uma conferência de revisão de 10 anos sobre Durban, que deve ocorrer em 2011 (esperamos que em outro momento de correlação de forças na terra a nosso favor).
O documento final
Dependendo do ponto de vista, só o fato da Conferência de revisão ter ocorrido pode ser considerado uma vitória. Ela estava prevista para três anos antes, 2006, mas só agora ocorre. Ainda assim, sob boicote incentivado por Israel e pelos EUA e mais sete países de sua área de influência. Mas, esperava-se mais. Um documento final vinha sendo construído na tentativa de consenso de 45 páginas, contendo vários pontos considerados importantes para países africanos e árabes. Alguns deles chegavam a falar em reparações históricas causadas por danos da colonização.
Delegações árabes e africanas saíram frustradas e consideraram o texto final insatisfatório. Aqui levantamos a força real do sionismo: como pode um estado como Israel, que sequer esteve presente influenciar o texto final? A ideologia esta tão penetrada que mesmo sem estar presentes, eles tem estados e governos que os defendem a unhas e dentes. Certa vez ouvi de Bernard Cassen, um dos editores do Le Monde Diplomatique, que os jornalistas que hoje se formam são “jornalistas de mercado”, ou seja, nem é preciso que os donos dos jornais que eles trabalham pedir-lhes para criticar, por exemplo, o uso do dinheiro público como fator de indução do desenvolvimento nacional e a serviço do bem estar dos mais favorecidos. Ele escreve as suas reportagens já nessa linha. Forma-se na faculdade com essa mentalidade introjetada em sua mente, em sua ideologia. Uma ideologia de mercado. A mesma coisa os diplomatas e representantes dos países que se retiraram da conferência. A sua indignação é seletiva, é ideológica, fruto desse momento que vivemos, onde a força do sionismo é latente.
O documento final é um arrazoada e uma colha de retalhos, mas que resume todas as concessões feitas pelos países africanos, países árabes e povos em desenvolvimento e países pequenos e mais pobres. Foi uma vitória do mais forte, dos que não assumem compromisso algum de reparação histórica de mazelas e injustiças cometidas há séculos contra povos explorados e colonizados.
Nas conversações preparatórias, países africanos haviam conseguido colocar no texto inicial, de 45 páginas, indicações importantes sobre reparações históricas, compensações sobre danos da época da colonização predatória. Todos esses aspectos, como as menções sobre a Palestina foram excluídas.
Os encaminhamentos finais surpreenderam até mesmo aos analistas e participantes de conferências temáticas da ONU anteriores. Já no segundo dia, num plenário com metade das cadeiras vazias, o presidente da sessão consultou os participantes sobre o “documento final”, se haveria emendas e sugestões. E foi aprovado dessa forma. Muitos dos delegados se entreolharam sem que tivessem entendido coisa alguma. É a força material e política do sionismo, mostrando as suas garras mesmo sem se fazer presente. Quase todas as opiniões das ONGs e dos movimentos sociais presentes não foi contemplada.
Como tenho dito em escritos e palestras, o neoliberalismo pode ter sofrido derrota histórica, inédita e o capitalismo pode ter sido ferido de morte. Mas segue com fôlego e vida ainda. E a derrota deles neste momento não significa ainda necessariamente uma vitória nossa, das forças populares, progressistas e de esquerda. Há muito caminho ainda a ser trilhado. Precisamos ampliar sempre o leque de forças, das alianças.
E, no caso dos palestinos, o inimigo principal, o sionismo e o racismo, seguem firmes. Por isso, mais do que nunca devemos unir nossas forças em torno de um ponto comum: solidariedade ao povo palestino em sua longa e dolorosa jornada de luta, na busca da recuperação de suas terras, da construção de seu Estado nacional, soberano e democrático, com Jerusalém como sua capital.
Nota
(1) Parte das ideias contidas nesta coluna desta semana pode ser lida em “Durban II: Portas abertas fechadas”, de autoria de Curtis Doebbler e pode ser lido no original em inglês no endereço http://weekly.ahram.org.eg/2009/944/fr1.htm Eu agradeço a tradução excelente que recebi de Caia Fittipaldi. O texto é datado de 23 a 29 de abril de 2009.