As greves no setor público e o Orçamento da União

É sintomático que os dois jornalões paulistanos – Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo – tenham usado, em […]

É sintomático que os dois jornalões paulistanos – Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo – tenham usado, em editorial, a mesma palavra para definir a situação criada pela greve dos funcionários públicos: refém. “O país refém dos grevistas”, clama o Estadão; a presidenta Dilma é refém da corporação, diz a Folha. A expressão mal disfarça o saudosismo dos métodos da ditadura militar e dos governos neoliberais; a Folha é especialmente clara e prega a necessidade de o governo “quebrar a espiral de reivindicações”.

Os jornalões são saudosos do controle policial e administrativo que era exercido sobre os funcionários públicos durante a ditadura militar de 1964 e sob a ditadura financeira dos mandatos neoliberais de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Era um período em que aqueles que protestavam eram tratados na ponta do chicote – basta recordar a repressão contra a greve dos petroleiros de 1995, cujo objetivo foi quebrar “a espiral de reivindicações” do sindicalismo do setor e do movimento sindical em geral.

Collor investiu contra os funcionários públicos pregando nos servidores da nação o rótulo depreciativo de “marajás”. Durante os dois mandatos de FHC (1995 a 2002), 80% do funcionalismo público ficaram sem qualquer reajuste salarial.

A luta dos trabalhadores para desfazer esta injustiça histórica é qualificada pelo Estadão como “tentativa de extorsão” de uma categoria que se acostumou – diz aquele jornalão arauto do neoliberalismo –, durante os mandados do presidente Lula, a ser tratada “como um grupo social privilegiado”. A Folha, por sua vez, os acusa de “infligir dano ao público e ao funcionamento da economia”.

Lula de fato tomou algumas iniciativas para corrigir a violência – e esta sim verdadeira – sofrida pelos funcionários públicos, acentuada desde o início da década de 1990 e que impôs severa defasagem a seus salários. Defasagem que correspondia, no período de hegemonia neoliberal, ao objetivo de enfraquecer o Estado e degradar os serviços sociais (entre os quais saúde e educação) prestados à população. Sob Lula houve (como lembrou reportagem publicada neste Portal no dia 9) um início de reversão desse quadro, com a recontratação de funcionários e o começo da recuperação salarial da categoria.

O atendimento às reivindicações dos funcionários em greve não é tarefa fácil, não pelo desmedido das reivindicações, mas pelos graves prejuízos acumulados em mais de uma década de severo arrocho salarial. Como reconhece o presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Wagner Gomes, as reivindicações são justas devido justamente a esse achatamento salarial. Para corrigir esta situação, Wagner Gomes defende que governo e funcionários negociem. “É preciso ver o que o governo tem condições de fazer”. Os críticos conservadores da greve apontam as dificuldades fiscais do governo. Para atender às reivindicações, diz o editorial do Estadão, “será preciso abrir espaço a marretadas no Orçamento Geral da União”.

Há espaço, não para marretadas, mas para encontrar uma solução justa. A avaliação feita por Wagner Gomes indica a área do orçamento onde encontrar os recursos para as áreas sociais e para revalorizar o funcionalismo público: o superávit primário. O dirigente da CTB recomenda “direcionar os recursos do superávit primário, que é usado para pagar os juros da dívida pública, mas que poderia ser utilizado para recompor a folha de pagamento do Estado”.

A austeridade fiscal não é argumento para ignorar as reivindicações salariais do funcionalismo. Porque se há um aspecto condenável na política macroeconômica do governo é precisamente o arrocho fiscal, porquanto o objetivo precípuo ao adotá-lo é assegurar os ganhos obtidos pelos credores do Estado na ciranda financeira.