Brasil não vai pagar sozinho a conta de Doha

O encontro de representantes de cerca de 30 países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) marcado para Genebra (Suíça) para o dia 20, está sendo considerado, pelos analistas, como decisivo para a chamada Rodada de Doha, o acordo comercial negociado no âmbito da ONU desde 2001. Sua conclusão estava prevista para 2004, liberalizando o comércio mundial. Isso não aconteceu, e a negociação se encontra em um impasse, criado pela intransigência dos países ricos, que exigem a abertura dos mercados emergentes para seus produtos industrializados como contrapartida para concessões aos produtos agrícolas dos países emergentes.


 


Às vésperas daquele encontro, as pressões dos ricos continuam no mesmo diapasão: não abrem mão da exigência de concessões na área industrial que os beneficiam. Pascal Lamy, diretor geral da OMC, prevê um cenário com ''núvens ameaçadoras'' se não houver acordo em Genebra.


 


''Núvens ameaçadoras'' para quem, cabe perguntar. O próprio Lamy reconhece que os ricos serão os mais favorecidos com a liberalização do comércio mundial. Ela  injetaria entre 50 a 100 bilhões de dólares na economia global, e dois terços desse valor beneficiaria os países ricos e um terço os países em desenvolvimento.


 


Por outro lado, apesar do impasse, o comércio mundial continuou crescendo, como mostra o próprio relatório anual da OMC, divulgado dia 15. Entre 2000 e 2007, o comércio mundial cresceu a uma taxa média de 12% ao ano, com destaque para países como China (média anual de 26%), Índia e África do Sul (20% cada) e Brasil (17% ao ano), e Alemanha, entre os ricos (20% ano ano). Hoje, os emergentes representam mais da metade do crescimento das importações mundiais, enquanto Europa, Estados Unidos e Japão, tiveram desempenho em queda.


 


Esta é uma indicação forte da razão pela qual os ricos querem aquele acordo. É possível visualizar, por trás dos apregoados benefícios da liberalização do comércio a pretensão inconfessada de manter o status quo mundial. E de enfrentar a ameaça que o desenvolvimento de países como a China, o Brasil, a Índia, e outras nações do chamado ''terceiro mundo'', significa para a manutenção do domínio global dos EUA e da Europa. Domínio baseado na divisão internacional do trabalho que favorece o imperialismo, opondo um conjunto de nações industrializadas e poderosas às nações mais pobres, com industrialização restringida e especializadas na produção de alimentos e matérias primas para o centro industrial.


 


O reconhecimento dessa contradição orienta a posição brasileira nessa negociação. Nela, diz o presidente Lula, o Brasil toma cuidado ''para não permitir que a flexibilização que eles querem no setor industrial possa significar o impedimento do desenvolvimento industrial das economias mais frágeis”. Se houver acordo ''na questão industrial e eles cederem na questão agrícola'', haverá acerto, garante ele.


 


Este é um horizonte pouco provável. Os negociadores brasileiros estão descontentes com as ofertas de redução dos subsídios agrícolas feitas pelos países ricos, que é a principal reivindicação do G-20, grupo dos países em desenvolvimento, com o Brasil à frente. A postura dos países ricos vai determinar a possibilidade de êxito da Rodada. ''Se chegarem com uma postura protecionista, vão contaminar o resultado da reunião'', diz o subsecretário-geral de Assuntos Econômicos e Tecnológicos do Itamaraty, embaixador Roberto Azevedo. Para ele, o Brasil deu sinais de que está disposto a fazer aberturas importantes de seu mercado para produtos manufaturados. ''Mas não vamos fazer essa abertura sozinhos. Não vamos pagar a fatura da Rodada Doha sozinhos'', afirmou. Por isso, avalia ser ''difícil dizer o que vai sair da reunião.''