Maciel quer ressuscitar cláusula de barreira

O senador Marco Antonio Maciel (PFL-PE) não perdeu tempo. No primeiro dia da nova legislatura, movimentou-se para ser o primeiro na fila dos oradores. Por que a pressa? Para apresentar uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) ressuscitando a cláusula de barreira, que impõe restrições à liberdade partidária.


 


Como se recorda, a cláusula de barreira, instituída pelo Congresso em 1995, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 7 de dezembro passado. Os ministros, por unanimidade, enterraram-na invocando a liberdade partidária, do pluripartidarismo e dos direitos das minorias, pilares do Estado democrático.


 


É este aleijão autoritário que a PEC Maciel pretende trazer de volta da sepultura onde jazia desde dezembro. A Constituição não deixa? Mude-se a Constituição, é o raciocínio do senador.


 


Ao discursar, o pefelista rejeitou pudicamente o termo “cláusula de barreira”, argumentando que “não há barreira” e sim uma “exigência”. O conteúdo antidemocrático, porém, permanece a despeito da folha de parreira vernacular: impedir o pleno funcionamento dos partidos abaixo da bareira de 5% dos votos úteis para deputado federal; mutilar os direitos políticos dos eleitores e parlamentares desta sigla. Tudo que o Supremo rejeitou na deliberação de dezembro.


 


A proposta guarda coerência com a biografia de seu autor. Antes de 1964, foi líder da ala direita estudantil, que se opunha à UNE. Desfechado o golpe e preso o governador de Pernambuco, Miguel Arraes, ganhou do interventor seu primeiro cargo público. Sob o general Geisel presidiu a Câmara e foi governador “biônico”. Finda a ditadura, foi vice de Fernando Henrique Cardoso. Nesta condição, foi quem sancionou a barreira, além de articular outras mudanças antidemocráticas que não vingaram, como o voto distrital.


 


O discurso de Maciel não se peja de recordar que a cláusula já vigorou no Brasil, de 1978 a 1982, em plena ditadura militar. Apresenta seu retorno como “um grande passo para criar verdadeiros partidos políticos no país”. Dribla, porém, a argumentação de fundo extensamente desenvolvida pelo Supremo: a barreira da cláusula é uma barreira à liberdade partidária.


 


Na sessão histórica que enterrou a cláusula, foi lembrado que “as minorias de hoje podem ser as maioria de amanhã”. Na verdade, vem do eleitorado brasileiro a relutância em atribuir a qualquer partido uma proeminência esmagadora. Em 1º de outubro passado, a sigla mais votada foi o PT: 15,0% dos votos úteis, seguindo-se o PMDB (14,6%), o PSDB (13,6%) e o PFL (10,9%). É do alto dessa tênue supremacia que Maciel pretende agora banir a concorrência abaixo dos 5%, cassando sua condição de “verdadeiros partidos políticos”.


 


O autor da PEC tem pressa; quer vê-la aprovada ainda este ano. E recebeu apoio de Tião Viana (PT-AC), Mão Santa (PMDB-PI) e Gerson Camata (PMDB-ES), todos do quarteto de pseudopartidões que desejam contibuar a sê-lo por decreto.


 


A iniciativa atesta que o rótulo reforma política pode encobrir conteúdos políticos muito distintos e até opostos. Este pode ser democratizante e saneador da política, com voto em lista e financiamento público das campanhas, como quer o projeto que desde 2003 alimenta as traças em alguma gaveta da Câmara. Mas também pode ser o de Maciel & Cia: um retrocesso antidemocrático que custaria caro ao projeto mudancista que o povo elegeu e reelegeu.