O presente de páscoa do Irã para os britânicos

A declaração do presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, no dia 4, de que “os 15 marinheiros receberam nosso perdão, e oferecemos sua liberdade como um presente ao povo britânico”, soou como um desafio ao imperialismo inglês no Oriente Médio. Com esta frase, Ahmadinejad anunciou a anistia aos marinheiros ingleses presos desde 23 de março por terem invadido águas territoriais iranianas, no golfo Pérsico.


 


O governo de Tony Blair não reconhece que aqueles marinheiros estavam ali em uma missão ilegal e agressiva contra o Irã, apesar de todas as evidências neste sentido, e Ahmadinejad tripudiou sobre ele apontando a “falta de coragem” do governo inglês em reconhecer o verdadeiro motivo da presença de seus soldados no local. Mesmo depois que um dos prisioneiros, o capitão da Marinha Chris Air, reconheceu, numa entrevista dada dez dias antes da prisão (em 13 de março), que estavam na região em missão de espionagem contra o Irã.


 


O governo inglês, contudo, jamais vai reconhecer a ação ilegal de seus soldados, e menos ainda ter negociado sua libertação com o governo de Teerã, apesar da divulgação do compromisso assumido de não voltar, no futuro, a entrar sem autorização, em território iraniano.


 


Não vai reconhecer sua derrota no episódio. O Irã – a antiga Pérsia – foi, até 1979, uma área clássica da agressão imperialista, sofrendo a disputa entre o império russo e os ingleses, até o final do século XIX, e depois caindo na dependência britânica desde o início do século XX até o fim da dinastia Pahlevi, em 1979.


 


O episódio encerrado no dia 4, neste sentido, é simbólico pela reafirmação da soberania nacional iraniana, que vem enfrentado fortes pressões do imperialismo para renunciar a seu programa nuclear, e viu um de seus diplomatas preso no Iraque em fevereiro, que foi libertado no dia 3, véspera do perdão aos marinheiros britânicos.


 


A libertação dos marinheiros britânicos foi seguida pela controvérsia sobre os vencedores do episódio. E os iranianos aparentam tranqüilidade quanto a isso. “Na véspera da libertação, o primeiro-ministro do Reino Unido enviou uma carta de desculpas” ao governo iraniano, disse Ali Akbar Velayati, principal conselheiro do líder supremo iraniano, Ali Khamenei e ex-ministro de Exteriores no Executivo de Ali Akbar Rafsanjani (1989-1997). Ele ressaltou que o Irã “demonstrou que defende sua integridade territorial nas condições mais difíceis e que não tem nenhum medo”.


 


Este é o ponto crucial. O imperialismo britânico foi posto à prova no Irã, e não teve condições de manter as bravatas que rosnou durante todo o tempo em que seus marinheiros-espiões estiveram presos no Irã onde, diga-se de passagem, como lembrou o historiador iraniano Hamid Dabashi, professor da Universidade Columbia (EUA), tiveram tratamento mais humano do que as atrocidades cometidas contra prisioneiros muçulmanos e árabes em Abu Ghraib, Guantánamo e Bagram.


 


“Ahmadinejad foi o grande vencedor”. Ele “fulminou o Ocidente e também levou o crédito pela libertação dos marinheiros”, reconhece Gary Sick, outro especialista, que foi assessor de três governos americanos, de Gerald Ford (1974-1977) a Ronald Reagan (1981-1989). Pelo menos neste episódio, a face do imperialismo britânico beirou a lona nas águas do golfo Pérsico, em mais um episódio revelador do crescente protagonismo iraniano nas questões regionais.