Olho vivo na política externa

O Mercosul obteve uma vitória nesta segunda-feira (26), com as conversações e acordos entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Tabaré Vásquez, do Uruguai. O país de José Artigas, que antes se inclinava para dar as costas ao bloco sul-americano e assinar um TLC (Tratado de Livre Comércio) com os Estados Unidos, aparentemente toma outro rumo: fortalecer a integração regional e negociar, sim, com a superpotência do Norte, mas em uma ação coordenada e acordada com os vizinhos. Má notícia para George W. Bush, que visita São Paulo e em Montevidéu na semana que vem.



Foi mais uma vitória da ''diplomacia da generosidade'', esposada pelo governo Lula. Com concessões em áreas como a indústria de autopeças, investimentos brasileiros numa fábrica de cimento e numa usina de etanol em terras uruguaias, aplacou-se as críticas, em grande parte legítimas, feitas no mês passado por Vásquez, na Cúpula do Rio de Janeiro.



A ''diplomacia da generosidade'' provoca chiliques na oposição conservadora a Lula, especialmente a midiática, que procura de lupa em punho diplomatas que se disponham a miná-la. Basta ver as reações furibundas ao acordo do gás, concluído no dia 15 último entre o Brasil e a Bolívia. Nos debates da campanha presidencial, em outubro passado, o candidato da direita, Geraldo Alckmin (PSDB), também trouxe o tema para a berlinda.



Nas direções operárias e populares, esse tipo de tema provoca às vezes um bocejo de desinteresse. Como iremos nos interessar por querelas no Mercosul, TLCs, sutilezas diplomáticas, e assuntos de além-fronteiras, quando temos tantas premências econômicas, sociais e políticas, tão aflitivas e urgentes, diante dos nossos próprios narizes? Estes companheiros, apesar das boas intenções, estão completamente enganados.



De todos os elementos da política de um país, a política externa é um dos centros nervosos – e em certos casos, o centro nervoso – que define um governo, um país, uma organização política ou social. No feijão-com-arroz cotidiano isso fica às vezes obscurecido, sobretudo pela política econômica, que diz de perto a interesses muito concretos e imediatos. Mas basta afastarmos o olhar, basta abrangermo as coisas no seu conjunto estratégico, para a importância das relações internacionais ganhar relevo. E quanto mais importante e influente é um governo, um país, uma organização política ou social, mais este relevo se adensa.



É um grande trunfo, para os defensores do projeto mudancista do governo Lula, que ele tenha justamente na política externa um dos elementos seus mais avançados, incisivos, afirmativos e exitosos. A demolição do projeto Alca, a persistente costura da integração latino-americana, a diplomacia Sul-Sul, a independência, a luta em diversas frentes por um mundo multipolar, têm um valor inestimável, ainda que por vezes escape a um certo senso comum acanhado.



Portanto, olho vivo na política externa. E não apenas na diplomacia dos Estados e governos, mas também naquela que todos os agentes político-sociais devem ter, inclusive os de base, seja o caso de um sindicato, um centro acadêmico, uma associação de base ou um ponto de cultura. Olho vivo porque a política externa conta muito. Olho vivo porque faz uma enorme diferença, por exemplo, saber como George W. Bush será recebido na quinta-feira que vem, quando desembarcar no Brasil.