Remover a cláusula de barreira, retrocesso que macula a democracia!

As eleições de 2006 concluem-se no próximo domingo, ao que tudo indica, como uma significativa vitória do povo brasileiro, com a reeleição do presidente Lula. Contudo, em meio à festa patriótica e popular que se anuncia é preciso que seja sublinhado que nas eleições de 2006 passou a vigorar um retrocesso democrático que se chama cláusula de barreira.


 


A mídia e o conservadorismo de diferentes cores buscaram forjar uma ''unanimidade'' em torno desse retrocesso vendendo-o à opinião pública com o embrulho de ''aperfeiçoamento democrático''. O problema da democracia brasileira seria para eles o excesso de partidos e a cláusula de barreira o punhal para ceifar esse excesso e extinguir as chamadas ''legendas de aluguel''. Ao contrário, como será aqui demonstrado a cláusula, se é punhal é um punhal contra a própria democracia.


 


Mas, como sempre acontece quando a mídia impõe ditaduras de pensamento único sobre isso e aquilo, mesmo pessoas que definitivamente não são conservadoras são muitas vezes para além de suas convicções levadas de roldão pela voracidade dessas unanimidades artificialmente construídas. Outras, pela truculência que esse tipo de processo encerra são empurradas ao equívoco do silêncio.


 


A democracia brasileira reconquistada em 85 por uma jornada de lutas que custou muitas vidas ainda está em processo de consolidação. E concretamente a cláusula de barreira significa menos democracia. Significa marcha a ré no processo de construção democrática que muito ao contrário pode e precisa  avançar. E em face disso, nenhum partido, nenhuma entidade, movimento ou personalidade comprometidos com a democracia podem se calar ou deixar-se levar pela pressão do conservadorismo.


 


O portal Vermelho que já vem denunciando o caráter antidemocrático da cláusula de barreira irá procurar daqui por diante intensificar esse trabalho. E convida  os internautas partidários da democracia para se engajarem nesta luta.


 


Quando se afirma que a cláusula de barreira significa caminhar para trás na construção da democracia, trata-se de uma verdade objetiva e literal. A cláusula foi criada pela ditadura militar com o fito de dar suporte jurídico à farsa do bipartidarismo imposto pela força das baionetas. Veio a redemocratização em 85. Veio a Constituinte de 88 que consagrou o princípio da livre organização partidária e do pluralismo. A cláusula foi varrida no âmbito de um trabalho que os constituintes, corretamente, denominaram de livrar o país do ''entulho autoritário''.


 


Alicerçado no principio constitucional da livre organização partidária, o eleitorado brasileiro, eleição a eleição foi erguendo segundo sua vontade uma democracia de muitas cores, marcada pelo pluralismo partidário, assegurando, portanto, o direito de existência plena às diversas correntes de pensamento. Algo muito diferente daquele bipartidarismo que a ditadura tentou impor. Tanto isso é verdadeiro que os atuais chamados grandes partidos, nas últimas eleições municipais, alcançaram, cada um deles, menos de 20% dos votos válidos. Se na democracia quem decide é povo, pois, então o povo preferiu um cenário político com grandes, médias e pequenas legendas.


 


Mas, no meio do caminho dessa construção democrática surgiu uma pedra. E essa pedra foi o governo de Fernando Henrique Cardoso. FHC recorreu ao ''entulho autoritário'' e ''ressuscitou'' a cláusula de barreira que a ditadura havia imposto. A luta democrática conseguiu postergar sua vigência plena, mas por obra dessas coincidências trágicas, essa ''bomba'' autoritária de efeito retardo veio explodir, agora, quando o presidente Lula, compromissado com avanço da democracia, dever ser reeleito, no próximo domingo, pela força do voto popular.


 


Ao ''ressuscitar'' a cláusula de barreira em seu governo, FHC a manteve como uma cópia mal feita do sistema partidário da Alemanha, uma realidade muito diferente da nossa. Lá, o sistema de governo é parlamentarista, aqui é presidencialista; lá, o Parlamento é unicameral, aqui temos o Senado Federal e a Câmara dos Deputados. É, portanto, completamente descabido, no caso brasileiro, medir a representatividade de uma agremiação tão somente pelos votos à Câmara dos Deputados.


 


No concreto, citemos dois exemplos dos resultados das eleições de 2006. O PSOL e o PCdoB não superaram a cláusula de barreira de 5% à Câmara dos Deputados. Contudo, o PCdoB atingiu mais de 7% dos válidos ao Senado da República e o PSOL teve mais de 6% dos votos à presidência da República. O PCdoB foi o quinto partido mais votado ao Senado. Por que num parlamento bicameral como o nosso apenas a votação à Câmara dos Deputados seria o referencial aceitável para aferir a representatividade desta ou daquela legenda? Essa incongruência, essa irracionalidade deriva do fato de que a cláusula é arremedo de uma lei estrangeira, além do que é prenhe de imprecisões tanto é assim que o Tribunal Superior Eleitoral até agora não deu seu veredicto sobre os termos precisos de suas exigências.


 


Com a cláusula de barreira, na próxima legislatura o Congresso Nacional caminha para ser o único parlamento do mundo onde poderá haver parlamentares de ''primeira'' e ''segunda'' categoria. Os deputados federais do PCdoB, do PV, do PSOL, do PPS e de outras legendas estarão sujeitos a um conjunto de restrições. Isso é democrático? Isso é Constitucional? Acaso eles foram eleitos por votos de eleitores de ''segunda'' categoria? Essas perguntas evidenciam a aberração dessa lei.


 


Sobretudo, ao se examinar o caso do Partido Comunista do Brasil fica bem nítido qual é objetivo real da cláusula de barreira, qual seja ''barrar'' o avanço e a ampliação da democracia, ''barrar'' a presença no Congresso Nacional de legendas e parlamentares que tem compromisso com o Brasil e seu povo. O Partido Comunista do Brasil é a legenda mais antiga do país. Ano próximo completa 85 anos de atuação ininterrupta na vida social, política e cultural do país. A democracia que hoje se respira se efetivou à custa de bravas lutas nas quais brasileiros deram suas próprias vidas, entre estes estão muitos comunistas. Acaso, então, quem ousa dizer que o PCdoB é uma legenda de aluguel ou coisa que o valha?


 


A democracia brasileira para ser democracia de verdade precisa do vermelho do PCdoB, do verde do PV, e das cores de outras legendas. Nas urnas o povo já demonstrou várias vezes que não quer o Congresso Nacional sob monopólio de meia dúzia de partidos.


 


A vitória popular que já troveja, que se anuncia para se concretizar no domingo próximo com  a reeleição do presidente Lula tem compromisso em realizar uma reforma política que fortaleça a pluralidade partidária e corte pela raiz as distorções da legislação eleitoral e partidária com o fim do  financiamento privado das campanhas e  a instituição do financiamento público, entre outras medidas. E só pode haver pluralidade partidária com o fim da cláusula de barreira. Que essa cláusula retorne, portanto, ao lugar de onde FHC a retirou: o lixo da história.