A um livreiro que parte – Tarcísio Pereira, o criador da Livro 7

Mas hoje chega a tristíssima notícia: “O livreiro e fundador da Livro 7, Tarcísio Pereira, faleceu na noite dessa segunda-feira (26), aos 73 anos, vítima de complicações da Covid-19.”

Em 2020, publiquei no Face a primeira notícia sobre o aniversário da maior livraria do Brasil:

“ANIVERSÁRIO DE 50 ANOS DA CRIAÇÃO DA LIVRO 7

Pelo telefone, Tarcisio Pereira, o dono e fundador da Livro 7, me informou que em julho vai comemorar os 50 anos da criação da livraria. Em 27 de julho de 1970 a Livro 7 abriu suas portas, até hoje não fechadas na memória de todo recifense. Ótima notícia!

Sem qualquer exagero, ela foi a maior livraria do Brasil, sem qualquer exagero ou favor, atestado pelo Guiness. Mas para nós, a sua grandeza era, é outra: Como a lembrei numa crônica:

Na rua 7 de setembro, a Livro 7 começou numa lojinha pequena, densa, de livros e de gente, por trás do que é hoje uma loja de frios. Ou seria por trás de uma lanchonete, no térreo do mesmo edifício onde está a loja de queijos, à margem de um corredor? Se a memória física confunde a sua exata localização, a memória humana é mais precisa.

Chegávamos aos sábados, à espera de O Pasquim. Tarcísio nos fazia beber, sem muitos rogos, copinhos e mais copinhos de batida de limão, enquanto o jornal não aparecia. Por Deus, seria difícil uma espera mais venturosa. Cachaça, Lukács, limão, Proust, Hemingway e açúcar. Mais cachaça Baudelaire, limão Manuel Bandeira e açúcar Scott Fitzerald. E Hess, e Brecht, misturas que só de lembrar fazem voltar à boca o seu travo………

Temos que divulgar o seu aniversário de 50 anos de criação”.

Depois, no fim de 2020 publiquei no grupo Amigos da Livro 7, quando Suely Pereira, a sua irmã, me falou que Tarcísio Pereira estava UTI, entubado, sofrendo o coronavírus:

“TODO O RECIFE, TODO PERNAMBUCO, TODO O MUNDO CULTO DA BRAVA CIDADE CLAMA:

QUEREMOS E PRECISAMOS QUE TARCÍSIO PEREIRA LOGO SE RECUPERE. NÓS NÃO PODEMOS JAMAIS PERDÊ-LO.

VIVA TARCÍSIO!”.

Essa mensagem teve muitas adesões e comentários. Mas hoje chega a tristíssima notícia:

“O livreiro e fundador da Livro 7, Tarcísio Pereira, faleceu na noite dessa segunda-feira (26), aos 73 anos, vítima de complicações da Covid-19. Tarcísio estava internado há 2 meses e receberia alta esta semana, mas foi surpreendido por uma hemorragia na noite de segunda, que levou ao falecimento.”

Comentei de imediato no grupo Amigos da Livro 7:

Tarcísio da Livro 7 foi pessoa e personagem fundamental da história de nossa brava cidade. Eita tempo desgraçado!

Então, diante disso, a grande Suely Pereira me fala:

“Preciso lhe confessar, no meu último telefonema com Tarcísio, ficou tudo acertado que no dia seguinte ele iria lhe procurar. Isso foi em um dia antes de ele ser internado”.

E mais me conta Suely Pereira, parceira e irmã de carne, alma e formação de Tarcísio, pelo celular há pouco:

“Nos anos da ditadura, quando Ulisses Guimarães esteve no Recife, ele falou para o meu irmão: ‘Tarcísio, no Brasil só existem dois partidos legais. Mas em Pernambuco são três: Arena, MDB e a Livro 7’ “.

Emocionada profundamente, aos soluços, com voz grave ela mal fala agora, mas muito diz. Então eu lhe falei, na urgência de escrever estas linhas:

– Suely, você continua a obra de Tarcísio. Você é a sua continuação pelo espírito, compreensão, atividade livreira e parceria absoluta. Conte conosco por favor na continuidade. Estamos juntos!

O que mais eu poderia falar para Suely, parceira privilegiada da vida e obra de Tarcísio Pereira? Então junto ao que não pude falar a recuperação destas linhas a seguir.

Em 27 de julho de 2020, a Livro 7 completou 50 anos de fundada no Recife. Ainda que não mais exista em morada concreta, ela ainda reside no sentimento de muitos recifenses. Por isso, acho natural recuperar um texto que publiquei no La Insignia

“A livraria era aqui”, dizemo-nos, enquanto caminhamos na Sete de Setembro. Dizemos isso não nos referindo à livraria da Sete de Setembro, número 329, do seu último endereço. Mas à de antes, números recuados na mesma rua. E recuando-a assim, números atrás, recuamo-la também no tempo para 1970. Ela ficava numa loja, à direita de quem vem da Conde da Boa Vista, numa lojinha pequena, densa, de livros e de gente, por trás do que se tornou depois uma loja de frios. Ou seria por trás de uma lanchonete, no térreo do mesmo edifício, onde estava uma loja de queijos, à margem de um corredor? Se a memória física confunde a sua exata localização, a memória humana é mais precisa.

Chegávamos aos sábados, à espera de O Pasquim. Tarcísio fazia-nos beber, sem muitos rogos, copinhos e mais copinhos de batida de limão, enquanto o jornal não aparecia. Por Deus, seria difícil uma espera mais venturosa. Cachaça, Lukács, limão, Proust, Hemingway e açúcar. Mais cachaça Baudelaire, limão Manuel Bandeira e açúcar Scott Fitzerald. E Hess, e Brecht, misturas que só de lembrar fazem voltar à boca o seu travo. Gildo Marçal, antes de ser lukacsiano em São Paulo, dizia-nos que Lukács fora injusto com os existencialistas. Os que não sabíamos francês sempre achávamos que Sartre era um nome oxítono, Sartrê (e quanto charme nos lábios aspirando Sartrê, fechando a última vogal, com um r bem gutural, “à francesa”). O Velho e o Mar era a maior novela que alguém já escrevera (perdoem a nossa ignorância), e Este Lado do Paraíso subia-nos à garganta como o próprio inferno em que vivíamos. De repente, O Pasquim chegava, e rumávamos para o bar em frente, na certeza de que “intelectual não vai à praia, bebe”.

Tarcísio deve ter começado a nos fazer seus clientes quando O Pasquim começou a atrasar. Mas isso é só uma suspeita. O certo é que passamos a comprar livros, como um sistema, semanalmente, a partir da Livro 7, a pequena, onde esperávamos O Pasquim. Antes, boa parte de nossa cultura humanística era fruto do que chamávamos, num eufemismo, de expropriação, ou dizendo de outra maneira, de empréstimos ocultados aos olhos dos bibliotecários. Tarcísio nos abriu a um só tempo os livros com cheiro de papel novo e o crédito, a nós, que não possuíamos nenhum na praça. Depois, com a chegada do primeiro emprego, e o término de cursos e mestrados nas faculdades, quando a quitação de nossas dívidas deixou de ser uma dúvida, a sua Livraria cresceu, adiantou-se nos números da Sete de Setembro, a ponto de atingir em 1993 o lugar de a maior livraria do Brasil de todos os tempos.

É uma pena que neste espaço não caiba o desenvolvimento da sua história, que tanto tem a ver com a nossa própria, de formação, encontros e desencontros, nestes 50 anos da sua criação. Ocorrem-nos valores que não têm vez no mercado, como dever, lembrança-referência do Recife, formação do espírito. Todos bens – como dizê-los? – intangíveis.

Por fim, ou deveria ficar no começo?, digamos então, para o começo do fim, é importante destacar que a Livro 7 se inscreveu na história cultural do Recife, no ramo de livrarias que teve um ponto alto na Livraria Imperatriz. Explico por que em três importantes depoimentos.

No primeiro deles, na declaração do grande químico Ricardo Ferreira, falecido em 2013, onde fala como soube no Recife da obra seminal de Linus Pauling, Prêmio Nobel de Química:

“Quando eu cursava o terceiro ano do Curso Colegial, no Recife, em 1945, meu Professor de Química era o Dr. Hervásio Guimarães de Carvalho, que logo depois foi para o Rio de Janeiro e se tornou um dos grandes físicos experimentais do Brasil, centrado no C.B.P.F. Hervásio dava algumas aulas sobre a ligação química e nos disse que o grande pesquisador nesta área era Linus Pauling, em Pasadena, Califórnia. Descobri então que existia à venda, na Livraria Imperatriz, de Berenstein & Irmãos, alguns poucos exemplares do livro de Pauling, e comprei logo um.”

Essa importante declaração ligo a uma entrevista que o cientista Antonio Carlos Pavão me concedeu:

“Vou citar aqui um exemplo, que é do Ricardo Ferreira. O Linus Pauling publicou um livro, que eu acho o livro mais importante da Química no século 20, que é ‘A natureza da ligação química’, The Nature of the Chemical Bond. São três edições desse livro. A segunda edição, que é a mais importante, o Ricardo Ferreira comprou aqui no Recife, em 1945, no original em inglês. E me disse ele que num simpósio em Paris, o professor Daubel lhe disse: ‘olha, esse livro que você comprou no Recife em 1945, aqui em Paris ele não existia na época’. É impressionante, não é? …”

E finalmente, a ligação do dono da Livro 7 com a excelência do mundo livreiro, quando fala onde ele aprendeu a ser livreiro:

“A Livraria Imperatriz, para mim, foi onde tudo começou”. Com o dono da Imperatriz, Jacob Berenstein, Tarcísio Pereira aprendeu e chegou à gerência. “Jacob me ensinou a saber vender o livro e amar o livro”.

Ou seja, enfim: da Livraria Imperatriz à Livro 7, que se tornou a maior do Brasil, tudo é história.

Viva Tarcisio Pereira!

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2 comentários para "A um livreiro que parte – Tarcísio Pereira, o criador da Livro 7"

  1. Ivanildo Leite disse:

    Gostei muito do texto porque além de lamentar a perda de Tarcísio Pereira, evocou lembranças do tempo em que eu quase que diariamente frequentava a Livro 7 e o Bar 7 na Rua Sete de Setembro no Recife.

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