O livro aqui referenciado corresponde a uma narração de fatos vivenciados ou assistidos que enfatizam a vida em uma metrópole. O autor parte da subjetidade para demonstrar as várias faces de uma sociedade e a luta que o ser humano trava entre o bem e o ma
Publicado 22/04/2008 18:57 | Editado 13/12/2019 03:29
Brasigóis Felício trilha diversos caminhos na tentativa de compreender a maldade humana, para isso, utiliza os enfoques psicológicos somados aos detalhes dos lugares, demonstrando assim, o cotidiano e representando a obra dentro de uma universalidade.
A partir de suas atitudes Felício realiza uma leitura do mundo que o cerca, se vê diante de vários paradoxos e questiona sobre os mistérios da existência humana e pergunta “Como entender quem somos, e porque reagimos deste ou daquele modo, diante dos fatos da vida”?
Este trabalho é fruto do seu amadurecimento enquanto pessoa, escritor e poeta. O seu olhar soube selecionar as tramas vividas em uma metrópole retratando os conflitos internos e as contradições existentes entre o bem e o mal, presente na vida do ser humano, reconhecendo a humanidade como um terreno fértil para a maldade.
Neste livro intitulado “Memorial do Medo”, Felício soube capturar os medos que envolvem cada ser humano e hoje são os medos vividos em coletividade e deixa claro que cada pessoa tem seu momento de “lobo”.
Quem não teve sua hora de lobo, no momento tenso, habitado de medo e violência, em que ficou chocado, ao ver que esteve à beira de ser hediondo, ou monstruoso? (…) Há uma hora do lobo, que já foi mais vital e mais presente, na noite arcaica de nossa natureza humana. Mas o uivo do lobo foi reprimido pelas leis antivida de nossa civilização cosmodemoníaca, ocidental e cristã. (…) Raramente permitimos que o lobo, a sombra arcaica de nossa natureza, irrompa e uive, em seu poder de criação e de destruição. E sentimos tanto medo desta incognoscível força vital, é porque ela nos diz quem somos. (p. 17).
Os momentos de lobo muitas vezes ficam reprimidos e em determinados momentos têm vazão, sendo utilizados como mecanismo de defesa ou ataque. O excesso de bondade muitas vezes é uma máscara para esconder a maldade. Felício mostra as várias faces da sociedade goiana, que são também fenômenos universais: o crescimento das cidades, a violência doméstica, os assaltos, assassinatos, o adultério, a busca pelo sexo, os abusos sexuais, as drogas, as tramas políticas, a miséria e a prostituição. Expondo, assim, as diversas formas que os seres humanos encontram para lidar com suas angústias e dar vazão aos seus desejos.
Utiliza exemplo de pessoas que foram vítimas de violência sexual como a escritora americana Djuna Barnes que conseguiu superar seus medos escolhendo como arma – as palavras, transformando-se em escritora e jornalista, permitindo a si mesma a superação enquanto pessoa.
Enquanto outras pessoas não se permitem superar os momentos vividos e romper as barreiras como a prostituta Dolores, que morria aos poucos dentro de uma casa de prostituição, os seus gemidos de dor se misturam com gritos de prazer dos freqüentadores, a morte e o prazer segregados ao confinamento. Fala da violência e do medo que 111 prisioneiros sofreram dentro do Carandiru.
Os medos que assolam os soldados da guerra e o medo causado por eles. Os trabalhadores se isolam dentro de suas casa devido à palavra medo. Muitas pessoas são prisioneiras de si mesmas, vivem pressas ao medo. “(…) E não há ninguém que possa, em sã consciência, colocar-se como infenso ou imune às abissais estações do medo” (p.32).
Felício observa que a cidade tem o poder de segregar, como os lugares das prostituições, das invasões, dos drogados, dos sem tetos, dos meninos que transformam as ruas em moradia, sendo lugares de assaltos e de diversas violências. O medo se tornou presente no cotidiano das metrópoles. Para Felício “O paraíso é ninguém nos oprimir” (p. 76).
Sua obra aborda as dimensões da existência humana além da aparência em que estão presentes o espaço, o tempo e o ser. O livro parte de narrativas guardadas em sua memória sendo uma acumulação de diferentes tempos, uma leitura de diferentes realidades, presentes no nosso cotidiano.
Andréia Aparecida Moreira de Sousa é formada em Geografia pela UFG e está escrevendo uma dissertação de mestrado tendo como base o livro de crônicas “Viver é devagar”, de Brasigóis Felício.