Apesar de retratarem a paisagem natural do Maranhão e memórias de infância e juventude, os poemas de Carvalho Junior adquirem uma singular universalidade
Publicado 03/08/2020 01:25 | Editado 03/08/2020 01:26
Poeta que desenvolveu a sua própria mitologia pessoal e dotado de voz poética única, o maranhense Carvalho Junior revela em seus poemas um vocabulário em que sobressaem os nomes de flores, plantas, peixes, frutas, brincadeiras e instrumentos de trabalho próprios do Nordeste brasileiro, como os toás, o juriti-pupu, o quibano, o urutau, mesclados a arcaísmos e neologismos. Toda essa riqueza semântica cria uma dimensão sonora e plástica inconfundível.
Apesar de seus poemas retratarem a paisagem natural do Maranhão e memórias de infância e juventude, eles adquirem uma singular universalidade, por traduzirem sensações, ideias e experiências próprias da travessia do ser humano que vive em um universo em constante mutação, com toda a sua crueldade e beleza.
Carvalho Junior (sim, sem acento mesmo!) publicou cinco livros de poesia, sendo os mais recentes: No Alto da Ladeira de Pedra (2017) e O Homem-Tijubina & Outras Cipoadas Entre as Folhagens da Malícia (2019), ambos publicados pela editora Patuá. Tem poemas publicados em jornais, antologias e revistas literárias do Brasil e do exterior e edita a página de poesia Quatetê. Vamos conhecer agora alguns de seus poemas.
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LÂMINA E LIAME
A casca deste chão
é o umbigo da minha voz.Do trançado das folhas de palmeira
a substância da rosa de Celso Antônio:os meus 24 centímetros de porrete
de homem negro brasileiro.A alma cacunda das ladeiras,
o uivo da lâmina do machado,os impulsos da mão de pilão,
a quebradeira e seus aleijos,o sopro-enigma da juriti-pupu,
o cascudo debaixo da pedra.* * *
Daí o caroço da funda lágrima,
o gongo da infância em fogo-sezão.
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RISCO
cuidado com as unhas
dos meus monstros!
mato-te, ainda, com
uma pétala de afeto.
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PROTEÇÃO
Proibida a entrada
em meu lar-poema
:
sem um lápis
de, pelo menos,
três fundas camadas.
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A OUTRA MARGEM
sou dessas sementes desacreditadas
que o vento rouba das cercas da morte
e lança na outra margem do rio
pelo milagre do bico do pássaro.
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GATO-DO-MATO
não se domestica um poeta.
o poeta é um gato-do-mato
perseguindo a cauda
do vento selvagem.
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LUNA
no quibano do olho,
cangula a noite
a negra lua.salteia e dança
em meus escuros:
a cangulua.
Quibano: s.m. B N. m.q. QUIBANDO. espécie de peneira feita de palha grossa, us. para sengar grãos. (Dicionário Houaiss)
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CAMPO-SANTO
é sombra de quintal e silêncio
a pedra que me cobre inteiro.
o canto de um choró-boi
garganteia a despedida,
na minha cruz de pau,
flor arrancada dos dedos
de um ancestral jenipapeiro.
Verdadeiro ou mentiroso
Estou contigo e ouso
Querer ser dos lados o elo dos feios o belo