Claudio Daniel: Sete poemas de Carvalho Junior

Apesar de retratarem a paisagem natural do Maranhão e memórias de infância e juventude, os poemas de Carvalho Junior adquirem uma singular universalidade

Poeta que desenvolveu a sua própria mitologia pessoal e dotado de voz poética única, o maranhense Carvalho Junior revela em seus poemas um vocabulário em que sobressaem os nomes de flores, plantas, peixes, frutas, brincadeiras e instrumentos de trabalho próprios do Nordeste brasileiro, como os toás, o juriti-pupu, o quibano, o urutau, mesclados a arcaísmos e neologismos. Toda essa riqueza semântica cria uma dimensão sonora e plástica inconfundível.

Apesar de seus poemas retratarem a paisagem natural do Maranhão e memórias de infância e juventude, eles adquirem uma singular universalidade, por traduzirem sensações, ideias e experiências próprias da travessia do ser humano que vive em um universo em constante mutação, com toda a sua crueldade e beleza.

Carvalho Junior (sim, sem acento mesmo!) publicou cinco livros de poesia, sendo os mais recentes: No Alto da Ladeira de Pedra (2017) e O Homem-Tijubina & Outras Cipoadas Entre as Folhagens da Malícia (2019), ambos publicados pela editora Patuá. Tem poemas publicados em jornais, antologias e revistas literárias do Brasil e do exterior e edita a página de poesia Quatetê. Vamos conhecer agora alguns de seus poemas.

*

LÂMINA E LIAME

A casca deste chão
é o umbigo da minha voz.

Do trançado das folhas de palmeira
a substância da rosa de Celso Antônio:

os meus 24 centímetros de porrete
de homem negro brasileiro.

A alma cacunda das ladeiras,
o uivo da lâmina do machado,

os impulsos da mão de pilão,
a quebradeira e seus aleijos,

o sopro-enigma da juriti-pupu,
o cascudo debaixo da pedra

.* * *

Daí o caroço da funda lágrima,
o gongo da infância em fogo-sezão.

*

RISCO

cuidado com as unhas
dos meus monstros!

mato-te, ainda, com
uma pétala de afeto.


*

PROTEÇÃO

Proibida a entrada
em meu lar-poema
:
sem um lápis
de, pelo menos,
três fundas camadas.

*

A OUTRA MARGEM

sou dessas sementes desacreditadas
que o vento rouba das cercas da morte
e lança na outra margem do rio
pelo milagre do bico do pássaro.

*

GATO-DO-MATO

não se domestica um poeta.
o poeta é um gato-do-mato
perseguindo a cauda
do vento selvagem.

*

LUNA

no quibano do olho,
cangula a noite
a negra lua.

salteia e dança
em meus escuros

:

a cangulua.

Quibano: s.m. B N. m.q. QUIBANDO. espécie de peneira feita de palha grossa, us. para sengar grãos. (Dicionário Houaiss)

*

CAMPO-SANTO

é sombra de quintal e silêncio
a pedra que me cobre inteiro.
o canto de um choró-boi
garganteia a despedida,
na minha cruz de pau,
flor arrancada dos dedos
de um ancestral jenipapeiro.

Autor

Um comentario para "Claudio Daniel: Sete poemas de Carvalho Junior"

  1. Antônio Carlos Martins Alvim Filho disse:

    Verdadeiro ou mentiroso
    Estou contigo e ouso
    Querer ser dos lados o elo dos feios o belo

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