*
Publicado 03/05/2007 17:02 | Editado 13/12/2019 03:30
Não é por esnobismo que estou escrevendo esse título em italiano (cuja tradução é óbvia: a virtude da humildade), mas apenas porque trata-se de uma expressão que gravei assim, na minha língua natal, e que nunca mais me saiu da cabeça, bem como, felizmente, determinou meu comportamento ao longo da vida desde quando entabulei uma polêmica com meu professor ginasial, em plena pré-adolescência. Explico-me. Paralelamente aos estudos regulares, eu recebia de meu pai, escultor, aulas de história da arte, especialmente sobre a Renascença que eu amava de paixão. Aí está. Pela assimilação da linguagem descritiva e crítica própria daquela época, eu entendia que o termo virtude significava (longe da hipocrisia moral e religiosa) excelência do poder criativo, impondo-se à admiração da sociedade. Pareceu-me, então, que uma expressão que definia a humildade como uma virtude não fazia sentido, muito especialmente pelo fato que a aula versava sobre grandes figuras históricas que geraram o Humanismo, sendo que muitas delas contribuíram trabalhando em silêncio. Em função do assunto (Humanismo/Renascença) eu me senti em casa e tive o topete de levantar a questão. Com muita paciência e sabedoria, usando juntamente a virtude da humildade, o professor dialogou comigo, valendo-se de uma perspectiva filosófica despida da terminologia erudita para que ficasse ao meu alcance. Pareceu ignorar a minha petulância e me deu uma inolvidável lição de vida.
A esta altura, preciso incluir, entre parêntesis, duas informações que têm a ver com o episódio e têm relação entre si. Primeira: O meu professor, que se chamava Basso, tinha sido docente universitário, respondendo por uma cadeira de história da literatura italiana, mas ensinava, então, em um ginásio para sobreviver, pois tinha sido demitido daquele cargo devido a uma perseguição política fascista, até que, após a Libertação, foi nomeado ministro da educação. E, segunda: A expressão “a virtude da humildade” pertence ao Canzoniere de Petrarca, um poeta que veio logo depois de Dante, sendo um dos principais fautores da estruturação da língua italiana, uma evolução do Dolce Stil Nuovo. (Já tive oportunidade de falar dele em outra crônica. Notório pela sua erudição e ao mesmo tempo pela sua amabilidade no relacionamento social, morreu na pequena cidade de Arquà, rebatizada em seguida de Arquà Petrarca, onde existe uma estátua retratando-o sentado com um gato enrodilhado no colo.)
Quando a gente aborda a interpretação de palavras e ditos, sobretudo se em sentido figurado, dos primórdios das línguas neolatinas, há sempre quem coloque em dúvida o seu significado à luz da interpretação contemporânea. A desconfiança é legítima, mas não é o caso neste caso, como na maioria de outros discutíveis, quando os termos batem com o emprego equivalente na literatura latina. Mas como a semântica é um poço de surpresas, como dizem os lingüistas, pode até ser que a nossa interpretação da afirmação de Petrarca seja um pouco mais radical em relação ao conteúdo que ele queria passar. Em todo caso, louvável.
Pulando agora de assunto – mas não de opinião – para encerrar essa crônica um pouco desengonçada, aqui vai a minha interpretação do fracasso do Brasil nesta Copa, para se juntar às muitas outras, inclusive as sem pé nem cabeça: uma patriotada desvairada, alimentada pela mídia, inchou o ego dos jogadores a tal ponto que eles se esqueceram de levar para as competições uma virtude gloriosa – a humildade.