Dom Quixote é, até hoje, objeto de muitos estudos, em diferentes áreas do conhecimento. Em 2025, sua primeira parte completa 420 anos; a segunda, 410
Publicado 16/04/2025 11:20 | Editado 16/04/2025 11:25
Está estabelecido pelo cânone literário que Cervantes é o criador do romance moderno. No Ocidente, bem dito – que experiências narrativas sempre existiram em diferentes porções do orbe.
Esse título, o de criador do romance moderno ocidental, Miguel de Cervantes deve ao Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha, livro cuja primeira parte foi publicada em 1605. Para espanto do autor, as aventuras do cavaleiro andante e seu escudeiro fizeram grande sucesso à época, o que ensejou a produção da segunda parte da narrativa, publicada dez anos depois, em 1615.
Se há a invenção do romance moderno em suas linhas essenciais, ela está nessa parte derradeira. A primeira, divertida por demais, é um tanto caótica, intercalada de outras muitas histórias, sem muito a ver com a saga do cavaleiro andante. Está mais para uma novela, como nós por aqui, em terrae brasilis, hoje entendemos: dramas autônomos que giram em torno de um lugar, um personagem ou par deles, ou um drama maior, sem dele participar organicamente.
Já o romance é drama, ou trama, para a qual convergem as muitas possíveis tramas paralelas e que concorrem para a solução do drama-cerne do próprio romance.
A novela parece um apanhado de folhetins que se relacionam por coordenação, enquanto o romance funciona por subordinação das partes a uma perspectiva dominante, rio de caudal unitário, que se estua; não termina em delta.
A segunda parte do Quixote segue essa lógica de trama central a que tudo o mais vem subordinado. Ademais, o texto está melhor arranjado, com as categorias narrativas mais bem articuladas. Um texto bonito de doer, divertidíssimo em várias passagens, lírico a ponto de alcançar o sublime em outras tantas, e, vez ou outra, reflexivo e melancólico.
Dom Quixote é até hoje objeto de muitos estudos, em diferentes áreas do conhecimento, sendo a mais destacada, por óbvio, a dos estudos literários. Inspirou muitos filmes, espetáculos cênicos, poemas, músicas. Foi, no entanto, nas artes visuais que talvez tenha feito fortuna mais significativa.
Muitos artistas visuais retrataram a dupla Dom Quixote e Sancho Pança. Do gravurista Gustave Doré, passando por Salvador Dalí e Pablo Picasso, até Candido Portinari e outros, o par de personagens serviu de modelo para muitas telas, desenhos, esculturas.
O desenho de Picasso, que celebra os 350 anos da publicação da primeira parte, em 1955, acabou por se tornar, dentre tantas representações, a mais emblemática.
O traço da gravura nos dá inteiro o fidalgo em sua definição de Cavaleiro da Triste Figura: estão na imagem Quixote montado em seu paciente Rocinante, e Sancho Pança, em sua mula ruça. Feito a nanquim, o desenho dá a impressão de miragem que verbera em sua precariedade de ilusão. Assim, condensa e expressa todo o lirismo e toda a força humana espalhada na narrativa cervantina.
Picasso é espanhol como Cervantes. Nasceu em Málaga, sul da Espanha, em 1881. O escritor, em Alcalá de Henares, Espanha central, em 1547. Estamos há 144 anos do nascimento do primeiro e há 478 anos do dia em que o segundo foi dado à luz.
Neste ano de 2025 em que nos encontramos, aquelas que completam anos redondos, no entanto, são as obras, não seus autores: A primeira parte de Dom Quixote faz 420 anos. A segunda, 410. Já a pequena obra iconográfica de Picasso, intitulada Don Quijote, completa 70 anos.
O velho fidalgo e seus leitores têm muito a comemorar, portanto.