Os Poemas Italianos, de Cecília Meireles

Ao visitar as Poesias Completas, de Cecília Meireles, deparo-me com os Poemas Italianos e vou em busca de um volume que abarcasse somente esses fascinantes poemas

Li recentemente com sofreguidão e reli algumas vezes os 45 poemas que compõem esta obra. E devem ser lidos demoradamente para adentrarmo-nos na essência de que são compostos.

Ao visitar as “Poesias Completas”, em dois volumes, de Cecília Meireles (Editora Global, São Paulo, 2017), deparo-me com os Poemas Italianos e vou em busca de um volume que abarcasse somente esses fascinantes poemas. E, eis que os encontro reunidos, bilingues (português e italiano). Em sua primeira publicação foram editados postumamente, em 1968, pelo Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, de São Paulo, com a tradução para o italiano de Edoardo Bizzarri, cuja segunda edição foi lançada em 2017 pela Global Editora, de São Paulo, com apresentação  de Mariana Ianelli.

Considero esses poemas, agora reunidos numa obra separadamente, primorosos. Fascinaram-me do princípio ao fim!

Após viagem à Índia (Poemas escritos na Índia),  Cecília seguiu para a Europa, visitando vários países, em 1953, quando incluiu sua especial visita à Itália, país que exerceu sobre a autora um apaixonante percurso literário, observando cada aglomerado urbano, cada ponto de referência com um olhar demorado de onde extrai minuciosamente a essência da alma guardada na antiguidade daquele país. Nesse roteiro vislumbramos no jogo poético as exuberantes cidades: Veneza, Roma, Florença, Nápoles, Sorrento, Pompeia…

Esses poemas emanam da profundidade de sentimentos que a poeta extravasa diante de cada paisagem, bem como de monumentos, fontes, museus, caminhos, obras de arte infinitamente construídas que se vão mostrando com todo o peso milenar da História italiana. A cidade mais visitada nesta obra é Roma – romã, amor! Ali estão o Coliseu, a Fontana di Trevi, as catacumbas, a loba capitolina…

Em cada página sua poesia desdobra-se em cenários sucessivos de história, arquitetura, amor, arte… entre deuses e imperadores, entre santos e pagãos. 

Toda a vida do passado e do presente, naqueles dias de sua viagem, circula por entre os dedos e a pena, ungidos pela delicadeza das mãos de Cecília. E tudo brota do coração e da profunda percepção que o olhar contempla do cotidiano e do tempo longínquo.

Inicia-se o livro com o “Discurso ao ignoto Romano”:

               Por que foi talhado o teu rosto

               nessa pedra pálida e suave,

               ninguém se lembra. (…) (p. 21)

               IGNOTO ROMANO esculpido

               por ignota mão, preservando

               no silêncio da pedra o antigo

               rosto, que encobre a ignota sorte, … (p.23).

Impossível não levar em conta os aquedutos, hoje em ruínas, que os romanos iam expandindo como elemento essencial em cada campanha pelos territórios italianos como pelos territórios conquistados. Cecília Meireles os contempla como

             (…) “velhos escravos de mãos dadas

                que um dia transportaram a água, eternamente livre…

               (…)

               Agora conduzem a memória dos tempos e dos homens,

               o pensamento dos viajantes que o contemplam,

               a lição da vida, nos velhos, inutilizados arcos… (“Os aquedutos”), p. 117.

Entre os muros romanos também a vida flui… Surpreende-nos quando se depara com a florista ensimesmada, em silêncio, com as flores frescas em sua efêmera perfeição –  “Carpe diem”…

A florista não diz nada. Mas sente-se que pensa

como Horácio, um dia, pensou. (“Natureza quase viva”. p. 55).

Impressionante como Cecília, erudita que era, se reporta, nesse verso, à Ode em que o poeta latino Horácio, na Roma Antiga, no umbral da nossa Era (Ano 23 a.C.), celebrizou a expressão “Carpe diem”.

Assim, é em Roma que a autora tudo lembra. A fundação da cidade na figura da Loba que amamenta os gêmeos. Esta cidade, enfim, é única:

“Qual a cidade que, vista ao contrário, está no coração?”  (“Geografia”, p. 83)

            “ROMA,

               AMOR

               A cidade aqui está. E o amor?

               Que amor? Que amor? – dizei…”  (“Geografia”, p. 85).

Também dedica cinco poemas à cidade de Pompeia. E, como não estremecer durante a leitura absorvendo a profunda compreensão de Cecilia diante de tudo que ficou estático pelas cinzas e lavas do Vesúvio? Nesta cidade a poeta capta a vida daqueles momentos de trágica dor que transformou em estátuas seus habitantes. “Quem ia amar, parou seu beijo.” (“Pompeia”, p. 61). Árvores, cães, flores, a cesta de figos… tudo petrificado!

Dentre os poemas dedicados à cidade eternizada pelas cinzas, o estremecimento vem das palavras “que lhe diz” o morto de Pompeia, já na primeira estrofe:

               Levanta-me da cinza em que me encontro,

               põe nos meus olhos o seu lume antigo!

               Desdobra-me na boca a língua imóvel,

               ergue meus passos e leva-me contigo!

               Deixa a morte somente com a minha alma,

               para haver seu reflexo no que eu digo.

               (…)

               Dize-me apenas se há quem possa ouvir-me!

               Senão, deixa-me estar nas cinzas quietas. (“O que me disse o morto de Pompeia”, p. 63).

Das minhas recentes leituras, dedico uma especial predileção a este livro. Leitura à qual retorno algumas vezes, aflorando-me sempre uma nova percepção, um detalhe comovente…

Reitero, ao finalizar: POEMAS ITALIANOS, de Cecília Meireles – recomendo!

Autor

Um comentario para "Os Poemas Italianos, de Cecília Meireles"

  1. FRANCISCA ELEODORA SANTOS SEVERINO disse:

    Maria Aparecida,não existem palavras que descrevam a impressão que sua escrita me causou! Simplesmente maravilhosa!
    Você incorporou Cecília Meireles, Parabéns por renovar o prazer de ler nossa querida Cecília.

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